Por: Bruna Calegari
* coluna publicada na edição #38 da House Mag impressa
Dia desses um colega publicou no Facebook sobre as palavras “top” e “sonzera” serem extremamente relativas, pois dependendo de quem as utiliza, seu sentido pode mudar completamente. Comentei no post que a designação “underground” também é relativa: para muitos fãs de música eletrônica, underground é Deep House ou Gangsta House; para outros, underground é aquilo que ninguém conhece e, a partir do momento em que se torna conhecido, deixa de ser underground; já na concepção de outros, ainda, nada que seja criado com a intenção de vender pode ser underground (clubs, músicas, projetos, artistas).
Somos livres para gostar e defender como “boa” qualquer tipo de música, mas por mais única que cada pessoa seja, as opiniões serão (na maioria das vezes) relacionadas ao grupo social do qual fazem parte, marcas que ostentam, ideologias que defendem – e o ser humano tem mesmo esta mania: a de categorizar as coisas e pessoas que o cercam. É algo instintivo, isto de tentar buscar ordem no caos. E é também a fonte de grandes preconceitos.
Assim como é instintivo categorizar coisas e pessoas, também é intrínseca do ser humano a necessidade de pertencer a um grupo. Em linhas gerais as pessoas compram, compartilham e se informam com o único intuito de pertencer à sociedade e a grupos sociais distintos. Porém, com a ascensão sóco-cultural e principalmente a “ode ao individualismo” que vivemos hoje, pertencer a um grande grupo tornou-se algo feio, e a nova ideologia vigente prega o conceito do indie, da pessoa que não se encaixa no mainstream.
Portanto, o primeiro passo da pessoa que quer parecer “cool” é rejeitar toda e qualquer forma de pertencimento; virar um verdadeiro “do contra” e abominar até mesmo coisas que já curtiu, roupas que já usou e comportamentos que já teve. E uma maneira de se auto-afirmar é buscar a ideologia underground, o novo, o estranho, o que ninguém conhece. O que é underground ainda é relativo, mas o fato da pessoa “se achar” underground define um comportamento bastante comum, geralmente pedante e pouco respeitoso.
“Ser underground” vira um preconceito quando não apenas reflete uma busca de si mesmo, mas se opõe radicalmente ao que o outro gosta (o fã da música pop, o lugar que todo mundo vai, a marca que todo mundo usa) e ridiculariza-o, como se o estado de repúdio ao pertencimento fosse uma evolução da necessidade do pertencimento. Só que exprimir este desdém não demonstra necessariamente evolução pessoal, mas uma birra, uma necessidade ainda maior de exprimir, agora, sua nova essência. Evolução, afinal de contas, é sublimação pessoal interior, não o virar-se contra o meio para se auto-afirmar.
Ilustrando: a partir do momento em que eu repudio o modus operandi da sociedade e estou indo em busca de mim mesmo, isto é algo incrível, pois certas pessoas não chegam a dar o passo rumo ao auto-descobrimento e permanecem seguindo o fluxo das coisas, os blogs de moda, os Instagrams dos famosos, o TOP 10 das rádios. Mas não é porque algo serve para mim que servirá para todo mundo, certo? Ser legal não é gritar “Ei, Green Valley, vai tomar no cu”. Ser legal é descolar sets bacanas para sua galera ouvir no esquenta, é ir a exposições, contribuir com o planeta e ler livros interessantes. Mais do que isso: sem a necessidade de postar tudo isso em redes sociais a cada dia – afinal, superexposição nada mais é do que um reflexo da necessidade de pertencimento que você, como “membro do underground“, deveria ser contra, certo?
Evolução é, acima de tudo, respeito: viva e deixe viver; ouça e deixe ouvir; dance e deixe dançar. E deixe o estigma do underground pra lá! A identificação de cada um não deve se fazer através de adjetivos que se usa ou deixa de usar, mas através da pessoa que cada um se tornou e de como pode contribuir positivamente para quem o cerca. Talvez seja necessário menos preconceito para aceitarmos que as pessoas não podem ser facilmente caracterizadas, que o mundo é mesmo um grande caos, e que cada um de nós tem direito de ser tão único quanto o outro.