Desde a entrada do organic house em 2020 entre os gêneros de dance music do Beatport, algumas pessoas têm dúvidas sobre o que diferencia o estilo dos seus primos afro, deep, melodic, progressivo. O afro house está na plataforma desde 2017.
E, recentemente com o boom mundial do afro house muitas tracks diferentes surgiram, o que pode confundir um gênero com o outro. Além disso, chegou aos grandes palcos de forma avassaladora com nomes como Keinemusik e Black Coffee, e isso atrai produtores de todo canto do mundo.
O organic house se caracteriza por ser um som mais harmonioso e construído ao longo do desenvolvimento da música. Para isso, o nome é bem auto explicativo. São usados instrumentos orgânicos de corda, sopro, percussões, melodias relaxantes e vocais leves que conduzem a pista a um estado semelhante ao de transe/hipnose. Apesar das músicas terem um bpm mais baixo, é um gênero bastante dançante.
Já o afro house é um gênero também leve e que trabalha com percussões e belos vocais, entretanto o diferencial desse subgênero da house music são os tambores e instrumentos africanos, em especial da música feita na África do Sul, seu país de origem.
O afro house virou um fenômeno em todo o mundo nos últimos dois anos, e no Brasil não poderia ser diferente. Por aqui temos DJs e produtores que estão conquistando todo o mundo como Maz, Curol, Antdot, Soldera e nomes extremamente promissores como Riascode e Victor Alc.
Conversamos com excelentes produtores mundiais e com um professor de produção musical da House Mag Academy para entender melhor todo esse cenário. Confira.
1. Qual o seu sentimento em ver o afro house ganhando tanto espaço no mainstream?
Alex Wann: Estou muito contente pelo afro house estar com mais exposição na cena musical atual. É um gênero que sempre adorei.
Sempre vou tentar e experimentar outros gêneros, mas volto sempre ao afro-house. Era um gênero nichado quando comecei a produzir e a ser DJ há alguns anos!
É ótimo ver todos os talentos desta cena serem reconhecidos pelo seu trabalho árduo.
Curol: É muito emocionante ver o Afro House ganhando seu espaço no mainstream. Desde o início da minha carreira eu abracei esse som com paixão, então é muito gratificante ver essa transição do underground pro protagonismo global. Pra mim, isso não é só uma tendência; é uma mudança cultural gigante que a gente, brasileiros, tá ajudando a liderar no mundo! Orgulho que fala?
Francis Mercier: Ver o afro house ganhar mais apreço público e espaço nos grandes festivais de música eletrônica é muito emocionante. Durante muitos anos, foi visto como um nicho e um micro subgênero em muitos lugares do mundo, para além da África, claro. Ver toda a Europa e especialmente a América a abrir finalmente os olhos e os ouvidos para o género deixa-me feliz.
Moblack: O afro house oferece uma vasta gama de subgêneros e estilos híbridos. Quando comecei, há 10 anos, o afro house era profundo, cheio de alma e tribal. A injeção eletrônica deu mais energia ao gênero, atraindo assim a geração jovem e, consequentemente, tornou-se mais popular e está ganhando mais público e espaço nos grandes festivais de música eletrônica em todo o mundo. Os artistas de afro-house estão aumentando a sua presença nos festivais de música. Espera-se que esta tendência cresça ainda mais, expondo o género a um público mais vasto.
Soldera: Além dos timbres e percussões, o ritmo, o swing. Não adianta vocal tribal com bateria tradicional, não adianta ritmo tribal e timbre de 909, além dos acordes serem mais retos.
2. O que diferencia o afro house dos outros gêneros na sua visão? O que ele tem de especial?
Alex Wann: Penso que há algo único no gênero. Tem uma vibração completamente diferente, com certeza, e a percussão da música ajuda a destacá-la.
As vozes são algo que me trazem sempre de volta, cheias de alma. Vejo isso quando toco em clubs, toda a gente canta mesmo as letras em conjunto, sente-se a energia, é elétrico.
Curol: Então, como o nome já diz, o Afro House se destaca por causa das suas raízes profundas na cultura africana. Esse gênero é uma expressão vibrante da herança musical africana, misturando ritmos tradicionais com sons mais modernos, criando uma experiência sonora super poderosa e dinâmica que ressoa pelo mundo todo. A meu ver, não dá pra ouvir e não ser impactado. É um som que realmente marca!
Francis Mercier: O afro house difere de outros gêneros, porque pode ser ouvido em todos os ambientes diferentes, desde um jantar calmo e relaxante a uma festa num armazém com grande capacidade ou num festival de música. Além disso, contém instrumentos musicais reais e uma grande variedade de línguas/dialetos. É muito fácil dançar e divertir-se onde e quando quiser.
Iaell: O afro house é um sub gênero do House, tem como essência a parte percussiva instrumentos que são muito característicos do tribal, Djambe, congas, bongo são alguns dos diversos instrumentos africanos que podem ser utilizados. As influências melódicas são bem orgânicas com pianos e elementos que são inspirações no Soulful house. Muitas faixas tem influências de estilos musicais como melodic house techno e o progressive house. O que o faz tão especial é essa combinação rítmica e melódica com vocais que quebraram as barreira e o estereótipo apenas afro, hoje virou mainstream e muitas outras possibilidades se abriram para artistas se inspirem e evoluam o gênero.
Moblack: O afro-house tem elementos emocionais, é profundo, melódico e ao mesmo tempo suficientemente enérgico para agitar milhares de pessoas num estádio. Mais do que outros gêneros, o afro-house adapta-se a todos os estados de espírito, devido à sua variedade, é adequado a diferentes situações e locais; desde os maiores festivais a uma festa mais íntima, passando por locais chiques, até às after-parties mais alternativas.
3. Como você vê a cena brasileira de organic e afro house? Você vê alguma particularidade na música produzida no Brasil?
Alex Wann: A cena está crescendo muito no Brasil. É incrível ver artistas como Maz e Antdot arrasando. Eles definitivamente trazem uma vibração única para o gênero.
O uso de vocais brasileiros junto com o afro house é legal, adiciona um elemento especial com certeza.
Curol: A música brasileira é originária da cultura africana e nós compartilhamos muito dessa história, é por isso que gera tanta identificação. O Afro House e a música brasileira têm muito em comum: ritmos e cultura que combinam super bem. Na minha visão, a galera do mundo todo tá com um apetite enorme por música vibrante e rítmica que conta uma história, e é isso que faz o público se apaixonar e querer consumir cada vez mais essas batidas.
Iaell: O ritmo afro lembra muito o samba raiz, na sua essência com o swing brasileiro essa adaptação foi muito natural e gerou um despertar de artistas internacionais abraçarem produtores Brasileiros que elevaram essa brasilidade ao afro possibilitando uma incrível mescla de ritmos que se unem instrumentos utilizados na MPB.
Francis Mercier: O organic house brasileiro e o afro house são muito semelhantes entre si. A percussão, o bpm, o ritmo e as melodias vocais ressoam. Ambos provém da diáspora africana, com climas e ambientes semelhantes para criar estados de espírito musicais semelhantes. O shaker brasileiro (instrumento de percussão) é um elemento de produção particular que notei no organic/afro house brasileiro.
Moblack: A música orgânica brasileira é em português, por isso eu acho mais sexy. Os elementos musicais podem ser semelhantes, podem ser alegres ou melancólicos como o afro-house, mas a linguagem é diferente. A cena de organic brasileira tem potencial para ser ainda maior do que a cena da música afro-house devido ao seu enorme mercado. Este é definitivamente o ano dos produtores brasileiros.
4. Quais são as principais diferenças entre o afro e organic house?
Alex Wann: Com certeza há diferenças nas melodias. Além disso, o afro house tem tudo a ver com as vozes e com a forma como as integramos na faixa, ao passo que o organic house é mais rítmico e percussivo.
Penso que podem ser bem misturadas, uma vez que as BPM não estão muito distantes, dá para começar com um organic house e depois passar para um afro-house para construir o teu set.
Curol: O Afro House é cheio de ritmos energéticos e usa instrumentos tradicionais africanos, deixando tudo bem vibrante e dançante. Por outro lado, o Organic House tem um som mais tranquilo e experimental, muitas vezes misturando com vibrações Downtempo, como o próprio Beatport fala. Esse gênero usa sons naturais e melodias menos estruturadas, oferecendo uma experiência sonora mais relax, sabe?
Francis Mercier: O afro house utiliza normalmente apenas línguas e dialetos africanos e percussões, instrumentos e pianos africanos. O organic house tende a ser mais instrumental, com mais arps e sintetizadores de som eletrônico. No entanto, têm uma gama de bpm semelhante e, por vezes, uma vibração percussiva.
Iaell: Afro tem mais batuques e instrumentos de percussão como prioridade na construção da música; na parte melódica o afro é mais simples e compreensivo mas utiliza muito dos instrumentos orgânicos que estão presentes no organic house. O vocal no Afro tem toda característica para ser identificado quando são utilizados vozes africanas, mas por estar em um mainstream atualmente acaba que outras influências de outros continentes deixam mais abrangente as possibilidades de criação.
No organic house essa percussão existe, mas não chama a mesma atenção, elas são mais discretas, as melodias são mais complexas e profundas gerando combinações diferentes do afro. Vocais são mais étnicos e muitas vezes mais harmonia do que canto
Moblack: A confusão é legítima porque, devido à sua variedade, o afro-house também é orgânico. Assim, em geral, temos uma variedade de elementos étnicos no afro-house, não apenas africanos, pelo que a organic music soava mais apropriada. Durante os últimos anos, as referências do gênero também mudaram e agora temos basicamente afro organic com percussão, instrumentos acústicos e alguns elementos afro ou latinos. Entre as outras semelhanças que os produtores envolvidos na música orgânica e na música afro-house têm, eu diria que são as vibrações positivas e o som agradável. A música orgânica, tal como a música afro-house, está enraizada nisto.
Soldera: A bateria do organic é mais ritmada para o 4×4 como a house music, tem alguns elementos de sopro e bpm um pouco mais acelerado. Os vocais e a vibe são mais sutis e flutuantes. Tem a paz e a vibe do afro house, porém um ritmo mais semelhante a outros gêneros com bateria 4×4.
5. Em suas produções, como você tenta trazer a cultura africana para as músicas?
Alex Wann: Sempre me inspirei na música afro. Sou DJ desde os 15 anos e sempre incorporei estas músicas nos meus sets.
Quando comecei a fazer música, senti-me atraído pelas vozes cheias de alma e pela energia da música afro, bem como pelo ritmo. As vozes africanas são realmente poderosas e cheias de melodia. Foi essa a energia que tentei trazer quando fiz “Peperuke”.
Curol: Então, no meu trabalho, eu tento ir além de só incorporar elementos africanos; meu objetivo é realmente celebrar e amplificar a cultura afro-brasileira. Desde os instrumentos que eu escolho, tipo repique, pandeiro, atabaque e djembê, até os ritmos que fazem a galera dançar, minha música é uma homenagem à nossa herança compartilhada. Essa abordagem não só reflete a profundidade histórica da cultura afro-brasileira, mas também destaca suas contribuições para a música no mundo todo.
Francis Mercier: Tento sempre usar vozes reais gravadas (sem samples) que sejam originárias da África ou da diáspora africana. Também tento incluir instrumentos africanos reais gravados em estúdio, como a guitarra ouvida no meu disco “Bolingo Nanga” com Bibi Den’s Tshibayi, uma vocalista e guitarrista congolesa.
Moblack: Tento trazer a cultura africana para a música, através de uma fusão inovadora de elementos tradicionais africanos com produções eletrônicas modernas. Como artista e proprietário de uma editora, trabalho arduamente para garantir que o gênero mantenha a sua autenticidade e ligação às suas raízes africanas.
Bom, agora com o relato dos artistas, fica mais claro como o afro house se relaciona com a cultura brasileira e suas diferenças para o organic house, que sonoramente é parecido, mas há algumas diferenças em relação a produção e a proposta de cada um.
Por Adriano Canestri