A África do Sul não é apenas um país de paisagens deslumbrantes e história complexa, é também um caldeirão sonoro onde a música eletrônica floresceu de maneira única, entrelaçando batidas globais com a alma pulsante de suas raízes. Das festas clandestinas nas townships ao estrelato internacional de nomes como Black Coffee, a cena eletrônica sul-africana é uma narrativa de reinvenção, resistência e ritmo. Vamos viajar por sua história, seus pioneiros e os espaços que a fizeram pulsar.
O nascimento do kwaito
A música eletrônica sul-africana começou a tomar forma nos anos 1980, em um país dividido pelo apartheid. Enquanto o regime segregava a sociedade, as townships (áreas destinadas para negros e aqueles considerados não-brancos) fervilhavam com criatividade. Foi nesse contexto que o kwaito surgiu, um gênero que misturava house music importada de Chicago e Detroit com o legado rítmico local.
Pense em tambores zulu, vocais em línguas como sotho e uma energia crua que ecoava a luta e a celebração da juventude negra. Batidas ralentadas (100-110 BPM), samples de marabi e letras carregadas de gíria local transformaram o kwaito em um manifesto cultural pós-apartheid.
Pioneiros como Arthur Mafokate e Mandoza, com seu hino “Nkalakatha”, pavimentaram o caminho. Oskido e o grupo Boom Shaka também foram arquitetos desse som, que explodia em shebeens (clubs ilegais) e rádios piratas. O kwaito não era apenas música – era resistência eletrônica, um grito de liberdade em forma de groove.
A expansão da house music
Com o fim do apartheid em 1994, a África do Sul abriu suas portas ao mundo, e a música eletrônica acompanhou o movimento. Raves começaram a pipocar em cidades como Joanesburgo e Cidade do Cabo, inicialmente entre comunidades brancas, mas logo abraçando a diversidade. A house music, já enraizada pelo kwaito, evoluiu para algo mais sofisticado e global.
Surge então Black Coffee, um prodígio de Durban que transformou o deep house com percussão tribal e texturas africanas. Seu Grammy de 2022 de melhor álbum de música eletrônica com Subconsciously é apenas a cereja do bolo de um nome que redefiniu o gênero e foi um dos criadores do afro house, hoje um dos gêneros de música eletrônica mais relevantes no mundo.
Paralelamente, clubes como o And Club em Joanesburgo e eventos como o Cape Town Electronic Music Festival (CTEMF) começaram a conectar DJs locais com a cena internacional.
Artistas como Shimza e Da Capo ajudaram o afro house a se popularizar mundialmente.
A revolução do amapiano
Se o kwaito foi a semente e o house o tronco, o amapiano é o fruto maduro da música eletrônica sul-africana. Nascido nos anos 2010 nas ruas de Pretória e Soweto, o gênero, cujo nome significa “os pianos” em zulu, combina basslines profundos, teclados jazzísticos e uma cadência melódica irresistível. Kabza De Small e DJ Maphorisa são os maestros dessa revolução.
O amapiano transcendeu fronteiras, influenciando artistas como Drake e Burna Boy, e transformando clubes como o Konka em Soweto em templos sagrados da nova era. Shimza, com seu afro-tech e o selo Kunye, também merece menção, elevando a eletrônica africana a novos patamares.
O Legado e o Futuro
A música eletrônica sul-africana é uma história de resiliência, que envolve a luta de um povo pela liberdade. Além disso, foi um movimento fundamental para o resgate da essência do povo preto, da cultura ancestral do povo sul-africano e sua autoestima. Ela reflete a capacidade do país de transformar adversidade em arte.
Hoje, com festivais como Oppikoppi e clubes como Hysteria e Konka a cena continua a evoluir, conectando o underground ao mainstream global.
A África do Sul foi berço de um dos gêneros mais vendidos atualmente no Beatport, que move multidões e tem alguns dos artistas mais relevantes da dance music hoje.
O país vibra com um povo e uma cena culturalmente riquíssima, que exporta talentos com frequência. Você já curtiu um rolê na África do Sul?
Por Adriano Canestri