A VIDA É FUGAZ

Revista impressa

“A vida é fugaz e queremos ter certeza que fizemos o que quisemos antes que ela acabe”.  A visão que nomeou o projeto de Rafa e Rica guia cada passo do duo que ganhou vida durante a pandemia. Pode ser contraditório alguns projetos dedicados a trazerem alegria e trocas humanas eclodirem no isolamento. Mas foi quando eles fizeram o FUGAZ voar. Do primeiro encontro na noite paulistana até a ardente necessidade de compartilhar sua mensagem de liberdade, amor e pertencimento com o mundo, percorreram um caminho de descobertas, foco, dedicação e preparo. O projeto de house e disco de identidade ousada e criativa logo ganhou projeção. Autênticos, conversaram com a gente logo após o lançamento do EP “Suit Vit”, pela Levels Rec (que vem recebendo suportes de Eli Iwasa, Tessuto, Pedro Paulo, Etcetera, Milton Chuquer, entre outros), e, em meio a uma tour pelo Brasil, compartilharam sua visão de mundo e propósito. Confira:

O que os levou à criação do Fugaz?

A gente sempre trabalhou com comunicação: o Rafa com marketing e o Rica com teatro e jornalismo. E sempre dividimos um gosto muito parecido pelas artes e pela música. De fato, isso facilitou bastante nossa conexão.

É interessante notar a quantidade de referências em novo release, “Suit Vit”. Essa bagagem conceitual é um pilar do projeto? 

Por trás de todas as palavras do nosso projeto, existe uma história. Nesta faixa lançada na Levels Rec, recriamos a sonoridade e a atmosfera musical sob a perspectiva do produtor musical londrino Tony De Vit, que combinava elementos do techno, electro house e tribal house dos anos 90. Com seu house marcante e direto, ele foi um símbolo da comunidade queer. Lutou contra o vírus do HIV e faleceu devido a complicações da AIDS. Nós somos um casal sorodiscordante e escolhemos retratar a visão dele, pois ele representa muito para nós. Nossa música tem como missão manter o espírito de Tony como símbolo necessário de resistência artística, especialmente nas pistas de dança. Por isso, o remix das meninas do From House to Disco caiu como uma luva.

Um dos seus lemas é “make house & techno queer again”. Vocês entendem que a dance music foi cooptada e, de certa forma, desviada ou esvaziada de suas origens?

Total, especialmente quando consideramos a importância da diversidade na música eletrônica. Grande parte das produtoras têm sido excludentes ao compor os lineups dos eventos, não se importando com a representatividade.

A identidade queer do Fugaz se destaca na parte visual, e assumir isso é um ato de coragem. Existe ainda preconceito nesse meio?

Buscamos referências para expressar nossa liberdade. Queremos que as pessoas se sintam livres para se vestir da forma que desejam. Mas tanta autenticidade exige coragem. E sim, ainda existe preconceito. É surpreendente perceber que mesmo DJs consolidados têm receio de falar abertamente sobre sua sexualidade. O que está por trás disso? Medo de boicote? É cansativo escutar que queer não pode tocar ou gostar de techno. Esse preconceito é contraditório, pois a história da música eletrônica é baseada na diversidade. Esse espaço surgiu dentro da comunidade LGBTQIA+, da comunidade negra e da resistência dos corpos positivos. Desejamos ver mais artistas como estes ganhando destaque, alcançando sucesso e conquistando espaços cada vez maiores na cena que sempre lhes pertenceu!

Vocês tiveram 80% de rebooking no último ano. Qual o diferencial nas pistas?

Não sentimos medo. O medo irradia forças negativas que atraem críticas. É claro que isso exige muito preparo e pesquisa. Exploramos diversas referências que nos inspiram. Costumamos levar mais de 300 faixas exclusivas para cada apresentação, criando uma progressão melódica e harmoniosa que começa em Lá bemol menor e termina em Mi. Acreditamos que esse método envolve a nós e ao público numa energia de coragem e confiança. 

Vocês logo se ligaram que seria necessário também estudar business, marketing, branding e construção de imagem?

No início, percebemos: vamos precisar vender a ideia do nosso projeto, demonstrar nosso valor e aprender a nos comunicarmos dentro de um segmento tão disputado. Pessoas muito especiais nos ajudaram a entender isso, e dedicamos bastante tempo estudando a fundo tais conceitos. O artista tem que ser o pacote completo, e a comunicação tem um baita peso. 

Seu primeiro EP trouxe remixes de ícones da cena: L_cio e Érica. Como conseguiram colaborações tão impactantes?

Conhecemos o L_cio na gravação do Boiler Room da Valentina Luz. Comentamos que ele é uma grande influência para as nossas produções, o que despertou seu interesse. Naturalmente, as coisas fluíram: fez um remix de “Morfina” e sugeriu a Érica para compor os vocais. Já éramos fãs do trabalho de ambos. O resultado final está nas pistas!

Outra prova da capacidade estratégica do Fugaz foi a realização da campanha Rainbow On Me, com a adesão de Alok, Pabllo Vittar e Sabrina Sato. Como foi isso?

O objetivo era promover ações de apoio à comunidade LGBTQIA+. Junto do nosso amigo Fujimiro, lançamos uma campanha digital para arrecadar fundos destinados a ONGs de Campinas, com sorteios beneficentes de itens das celebridades convidadas. Acreditávamos na simbiose entre o digital e o real, mas foi um baita susto quando o Instituto Alok quis agendar uma ligação sobre o projeto. Os artistas estavam abertos para iniciativas sociais durante o isolamento, e a nossa nasceu na hora certa.

É também objetivo do Fugaz trazer de volta a alegria, as cores e o suingue da disco house às pistas de dança mais underground?

Somos muito versáteis, seja na pista e na pesquisa, pois temos nossos sentimentos mais sombrios e também os mais coloridos. Buscamos vivenciar experiências musicais relevantes com significados e trocas reais com as pessoas, independente de ser house, disco ou techno.

O que podem nos revelar sobre suas metas futuras?

Podemos adiantar: datas em festas incríveis e que amamos no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Curitiba. E também nossas curadorias em Campinas estão pegando fogo. O mundo é o limite. Ops, será isto um spoiler? Quem estiver por perto, verá!

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