Por Jonas Fachi
Foto de abertura: Biah Art
20 anos de história, 20 anos dedicados a educar, disseminar boa música e fazer do Sul do Brasil uma rota obrigatória para os maiores DJs do mundo. Nem o mais otimista imaginaria que o Templo chegaria aqui, com todos os desafios possíveis, firme, forte e entregando qualidade sonora e experiências de vida para os frequentadores. No último dia 12 de novembro, a data mais próxima da inauguração do clube, 14 de novembro de 2002, a curadoria finalmente conseguiu trazer novamente Sven Väth. Ele havia se apresentado pela última vez no aniversário de 10 anos, em 2012, onde protagonizou uma noite espetacular, que até agora, estava entre as cinco melhores que eu já havia pego no clube.
O Garden estava muito atraente com duas excelentes estreias; Tim Green, produtor que eu acompanho a muitos anos, além de um dos destaques da nova safra de Israel, Roy Rosenfeld. Porém, se tratando de Sven no Inside, já sabia que não iria deixar de vê-lo por um minuto. Quando se trata de lendas, você não pode deixar passar, ainda mais quando ele vir para o clube é algo raro.
Entrei por volta da meia noite e Daniel Kuhnen estava finalizando seu set, infelizmente, não pude conferir, mas, tenho certeza que foi recheado de faixas históricas em homenagem ao clube. Próximo das 01h da manhã, fui achar o melhor lugar para esperar a vinda do “Papa”. O escolhido para o warm up foi Boghosian, e gostaria de enfatizar o grande set que ele fez. Todos sabemos que é um DJ muito experiente e versátil, porém, receber a chance de abrir para Sven Väth não acontece todos os dias, é o tipo de honraria máxima na carreira de um DJ.
Foto: divulgação
Destaque para a faixa “Try”, de Ivory, ficando claro a ótima pesquisa musical que ele fez antes de subir no palco. O senso comum diz que para abrir para um DJ de techno, se deve fazer um warm up de techno mais moderado. Ai que está o erro, não é possível enquadrar Sven apenas em techno, ele não cabe em uma única categoria. Boghosian fez essa leitura acertada e mesclou faixas mais progressivas, com energia e certa tensão, lembrou-me inclusive os inícios de set do John Digweed. Deixou a pista redonda, a bola rolando para Sven assumir às 02h. A faixa “Kune” foi o seu melhor momento no set, dando uma prévia do tipo de música que iriamos ouvir em seguida.
No dia do evento, eu estava tranquilo, sabia que seria inesquecível, já tinha conferido Sven colocar toda a Time Warp São Paulo no bolso, em maio. Porém, nos minutos pré sua
entrada a ansiedade ascendeu.
Eu estava no famoso canto direito quase no vidro e vê-lo ali, a poucos passos preparando as caixas repletas de vinis, com seu assessor colocando as agulhas no toca-discos quase que em um ritual, foi uma mistura de tensão e alegria que não cabe em palavras.
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Sven assume, agradece pelo warm up e começa a fazer sua mágica nas mixagens. A primeira música foi “Coastal Bonds”, de Hank e remix de Aera, em uma pegada indie dance, não preciso dizer que ele ganhou a pista já de largada. A qualidade do som advinda do vinil era evidente e as luzes vermelhas tomaram conta da cabine para completar o clima. Em seguida, ele coloca “What You Expected”, de &Me, Rampa e Adam Port. Uma linda e inesperada faixa das suas mãos.
Aqui, quero abrir um parênteses, apesar de ser conhecido como o “Papa do Techno”, Sven nunca se prendeu somente a esse estilo. Um dos seus segredos é construir sets que vão desde indie, até melodic techno, e só mais tarde chega em seu techno clássico e brutal, finalizando com faixas transcendentais. Se você observar, esse é o método seguido pela maioria dos maiores DJs de todos os tempos, cada um com suas vertentes, é claro.
Próximo de fechar 1 hora de set, vem o primeiro grande momento da noite com “Enthusiasm”, de Claude VonStroke e Walker & Royce, trazendo um sintetizador pesado somado a um vocal desesperador clamando por libertação, uma faixa com a cara do Sven! A pista já estava aplaudindo e dançando fervorosamente, claramente, a vibe do Templo tinha tomado conta do Inside e eu só pensava: “ele só está aquecendo”.
Para dar uma quebrada no clima obscuro, na segunda hora ele empurrou músicas como “Glass”, de Deetron, e a inconfundível “Feelin’ Good”, de ninguém menos que a lenda Laurent Garnier com Chambrey.
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Esse é aquele tipo de vinil que Sven sempre tem na manga, por ter um vocal com um grito bem na virada do break, ele adora isso, pode interpretar junto com a música, afinal, Sven cantava e era dançarino no início da carreira ainda nos anos 80! A pista? Estava delirando.
O clima de techno progressivo volta com “The Magestic”, de Robert Hood. Um tipo de pressão vinda dos sinths fazendo escalas de notas que impregnavam na mente, só para depois as batidas terem força de te desorientar. Em seguida, ele coloca “Balls Back”, de Josh Wink, faixa com um tom ácido e mais um vocal que acordou a pista na virada do break, fazendo todos vibrarem.
Às 03h30, entra “Black Spider”, de Harvey Mckay, foi o ponto de ruptura para a aceleração máxima do ritmo, bpm alto e ‘tirem as crianças da sala’. Os grandes DJs são aqueles que deixam a pista impressionada antes mesmo de acelerar tudo que podem. Radio Slave em “Another Club” (Srvd remix) foi outra música que mostrou todo o seu high power e as suas mãos pra cima fechando e abrindo começaram a surgir. O lado performático do Papa estava aparecendo, tudo estava completo.
Às 04h, na metade do set, ele apresenta uma de suas novas músicas, “We Are”, que faz parte do álbum “Catharsis”, lançado em 2022 e que é seu primeiro álbum solo em 20 anos, coincidindo com o aniversário do clube.
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Sven nunca foi de lançar músicas todos os anos, na verdade, ele tem grandes clássicos pontuais, porém, sempre que lançou, foram faixas pra não serem esquecidas. Esse álbum é um dos melhores que ouvi em 2022.
Dubfire e Flug na faixa “Algorithm”, introduziu uma pegada mais espacial e intensa. Agora, imagine o caos, imagine uma espécie de sirene atentando contra a pista e uma batida ao estilo detroit techno industrial: foi o que aconteceu com BDB na faixa “BOSS RHYTHM’’, uma das minhas favoritas na noite.
Entramos na última hora com um balanço completo, conforme a sensação de amanhecer foi surgindo, Sven foi mudando o tipo de música para sons mais lisérgicos e transcendentais, sem nunca, claro, perder a batida pesada e desorientadora.
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Ainda coube faixas fortes como “Spectrum” (Bart Skils e Weska Reinterpretation) e com o Sol surgindo ao fundo ele colocou “Telephone”, de Krystal Klear, que música espetacular, aquele tipo que poderia ser tocada nesse momento por nomes como Hernan, Sasha, Digweed, Laurent Garnier, de tão versátil que é. Papa fez todos se emocionarem de forma conjunta, criando um momento que poderia se transformar em um quadro.
Em seguida, uma faixa com estilo anos 90, vocal recortado repetindo, pads de bateria se quebrando até virar uma explosão sonora. “Let’s Hide Away”, de Damiano von
Erckert. Ele mesmo não se contém e pega o celular para filmar a virada do break. Que momento!
Todos estavam vidrados em seu ritual de pegar o disco, se abanar, levantar para o alto ou então batê-lo na cabeça como se dissesse: “é essa”. Sven é um personagem a parte, toda vez que a pista explodia, ele dava um leve sorriso de quem sabia que estava quebrando tudo. Com o Sol alcançando a cabine, era hora de clássicos!
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O momento de puxar aquele vinil lá do final da fila, com a capa velha e com a certeza de ser a música certa. Nada menos do que “Harlequin” (1994), soando mais atual do que nunca. Quando um DJ resgata uma faixa como essa, uma produção sua lá do início da carreira, significa que ele quer dar profundidade ao set, é um recado claro de que estava selecionando o que tinha de melhor para os ouvintes, fazendo desse amanhecer algo a ser mencionado por muito, muito tempo. E, será!
Outra dos anos 90 que rompeu com a pista foi “Vamp”, de Outlander (1996), com um vocal feminino hipnótico regado por camadas tribais e orgânicas de todos os lados. Três, dois, um, zero, dizia, e, então, voltava um sintetizador impossível de esquecer. “Cosmic Cure”, de Raxon, foi uma escolha para dar um sinal de “estamos quase no fim”. Mais emotiva, porém, sem deixar de ter batidas pesadas.
Já era 06h20, visivelmente feliz e com muita vontade de continuar, Sven finaliza sob aplausos, pedidos por mais e com todos um tanto quanto zonzos.
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Como assim, já acabou? A sensação era de que ele poderia tocar por mais algumas horas, sem fazer força. Realmente, foi uma pena, a conexão artista-público estava a flor da pele, no seu máximo. Grandes sets, grandes momentos, muitos DJs já tiveram no Templo, acontece com frequência, porém, um nível de conexão quase que mental, de puro encantamento pelo DJ, e ele pela pista, não é algo tão simples de acontecer.
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Assim como eu, muitas pessoas haviam esperado 10 anos para revê-lo, e a sensação que ficou é que ele está melhor do que nunca. Na verdade, penso eu, não é que Sven tenha melhorado, ele é o mesmo, um dos maiores DJs de todos os tempos e que entrega sempre uma imersão musical de impacto. Essa sensação de que ele está ainda melhor do que há 10 anos se dá pela falta de entrega da nova geração de DJs que são considerados a ‘bola da vez’ dentro da indústria. Não que sejam ruins, mas lhes faltam construções de set com início, meio e fim. Sempre falo para os que estão começando agora na música eletrônica, não percam a oportunidade de ver ícones como Sven Vath. São os últimos anos dos criadores de tudo que temos, os mestres, e o nível deles é muito alto, pois aprenderam a tocar em uma época em que tudo era mais difícil.
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O bom para a cena de uma região, ou de um país, é que quando um desses do primeiro escalão vem e se apresenta, o nível do público vai lá em cima. Com certeza, as felizes almas que ali estiveram, saíram com outro parâmetro em relação ao que é um grande set e o que esperar de uma noite de contornos épicos. Seus níveis de exigência foram atualizados.
Sven Väth é um DJ que rompe as amarras do tempo, te levando para os anos 90 e voltando sem qualquer compromisso com as promos (últimos lançamentos). Sua caixa de vinis escolhidos a dedo faz do seu set algo a ser apreciado em todos os momentos. Ouvi-lo, vê-lo, é como receber uma aula de pós-doc na melhor universidade possível. Uma aula de mixagem em poucos segundos, de achar o pitch apenas com um movimento, de fazer algo complexo parecer fácil.
Sua construção de set é uma aula de história da dance music, do techno, na verdade, ele é a própria história ainda acontecendo, jogando em alto nível, e cada vez mais, sendo visto como uma verdadeira instituição da cultura DJing.
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Com mais de 40 anos de carreira, Sven continua a inspirar e ser referência para diversas gerações de clubbers e artistas. Por quê? Porque ele está sempre dando tudo de si, tocando cada set como se fosse a última vez.
Confira a playlist completa aqui.
Tracklist
Hank – “Coastal Bonds” (Aera remix)
&Me, Rampa e Adam Port – “What You Expected”
Josh Wink – “Black Balls”
Esoteric Circle – “Resilience”
Claude VonStroke – “Moody Fuse”
Deetron – “Glass”
Laurent Garnier e Chambray – “Feelin’ Good”
Claude VonStroke e Walker & Royce – “Enthusiasm”
Harvey Mckay – “Black Spider”
Robert Hood – “The Magestic”
Radio Slave – “Another Club” ( Srvd remix)
Planetary Assault Systems – “Shine”
Sven Väth – “We Are”
Dubfire e Flug – “Algorithm”
BDB – “BOSS RHYTHM”
Sven Väth, Metal Master – “Spectrum” (Bart Skils e Weska Reinterpretation)
Krystal Klear – “Telephone”
Sven Väth – “Harlequin”
Outlander – “Vamp’
Damiano von Erckert – “Let’s Hide Away”