Covid com dengue, medo de morrer e reclusão no Brasil: a vida do DJ Glen na pandemia

Por Lau Ferreira

Foto de abertura: divulgação

A pandemia do novo coronavírus impactou nossas vidas de maneiras que nunca imaginávamos. Na indústria das artes e entretenimento, uma das mais afetadas, DJs e produtores têm reagido de maneiras particulares, com mais ou menos cuidado. O fato é que suas datas praticamente evaporaram e eles estão tendo que se virar como podem para pagarem suas contas. Um desses personagens é o famoso DJ Glen, paulista natural de Americana que teve uma história sinistra: contraiu o vírus ao mesmo tempo em que contraiu dengue, chegou a ficar um mês debilitado e, aos 35 anos, temeu seriamente pela própria vida.

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Foto: divulgação

Era fevereiro, um dos primeiros meses da infame segunda onda que, no Brasil, teve quadros ainda mais drásticos do que a primeira. Glen Faedo, assim como basicamente todos os DJs brasileiros, estava sem datas para tocar. “Eu não saía nem pra ir no mercado direito, tá ligado? Tava de boa, parado, até que comecei a ter sintomas de dengue — já tinha tido antes e conhecia. Fui para o hospital, fiz o teste, deu positivo. Fui para a casa da minha mãe e ela começou a ficar ruim também. Aí ela fez um teste de Covid e deu positivo”, conta.

Glen não sabe como nem de onde, mas percebeu que estava com ambas as doenças ao mesmo tempo. “Eu não melhorava. Fiquei 15 dias de cama, não conseguia respirar, não conseguia comer, achei que ia dar ruim. Foi bizarro, não conseguia nem andar. Levei um mês pra ficar bom”, continua, afirmando ter escolhido passar o perrengue em casa por causa da superlotação dos hospitais.

“Não tinha vaga. Eu ia chegar no hospital e ficar na fila. Aí pensei: vou ficar em casa, comer e descansar o melhor possível. Se parar de respirar de vez, aí eu tenho que ir. Não dava pra andar, mas ainda tinha um pouquinho de fôlego. Minha mãe também ficou mal por um mês”, segue.

 

“Você perde o chão. Nesse meio tempo, desliguei celular, tudo, e só fiquei deitado. Achei que ia morrer, não morri. Aí quando volta, você nem sabe muito o que fazer — você sai desnorteado de um rolê desses”.

 

Depois da recuperação, a frustração

Quando se recuperou, o produtor se deparou com outro sintoma trazido pela doença ao país: o fato de o Brasil ter virado na prática uma pária internacional, pelo fato de ter sido um dos países com pior gestão durante a crise sanitária.

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Foto: divulgação

Principal representante verde e amarelo na Dirtybird de Claude VonStroke, ao lado do amigo Bruno Furlan, Glen seria atração no retorno do Dirtybird CampINN, principal evento da gravadora, que depois de ter sido suspenso em 2020, conseguiu retornar na metade final de maio, em diferentes cidades dos Estados Unidos — país em estágio bem mais avançado de vacinação e controle da Covid-19. Tanto ele quanto Furlan, que tocaram em 2019, tinham sido recrutados para a edição de Orlando, na Flórida, que seria pela primeira vez dentro de um hotel. Glen sentia um desejo profundo de participar, sobretudo depois de ter passado pelo que passou.

“Quando me recuperei, tinha esperança de que até maio a situação ia melhorar. Ainda assim, se não abrissem a imigração para brasileiros, dava para ir pelo México, ficar 15 dias lá e ir depois [para os EUA]. Pensei: em último caso, faço isso. Preciso de uma festa, sair desse negócio de ficar em casa. Tava muito ruim”, explica.

Com os preços subindo, e os riscos de ser barrado na chegada ao país aumentado, a missão foi se mostrando cada vez mais difícil, o que o levou a desistir.

“A agência de viagens nem queria me vender as passagens, porque estavam barrando [os brasileiros]. Não podia fazer conexão pelo México porque os voos daqui pra lá têm conexão com os Estados Unidos. O cerco foi se fechando. No fim, tinha uma única possibilidade de ir, mas por causa do Cinco de Mayo [feriado mexicano], tudo ficou mais caro. Começou a dar um monte de coisa errada, e eu entendi como um sinal. O Furlan, que ia comigo, desistiu antes”, continua.

“Acompanhei tudo nos Stories, e não foi fácil de ver. Tinha camiseta da gravadora com meu nome, eu tava com meu quarto, tudo certinho. E tipo, lá todos os DJs já estão com agenda fechada até outubro, novembro, porque a cada dia está soltando mais. Lá tem uma energia, por isso fiquei tão chateado de não conseguir ir. Você sente essa energia das pessoas querendo viver de novo”, narra Glen, que vem sentindo-se desmotivado até mesmo para produzir.

 

“Os DJs [nos EUA] estão tendo ideias pra produzir, e aquela coisa de pesquisar música e preparar o set pro fim de semana. Se você não tem festa pra tocar, você perde essa vontade. Como você vai fazer dance music se ninguém vai dançar, pra ver se ficou boa ou não?”

 

Rebolando para pagar as contas

Sem gigs e desanimado para produzir, DJ Glen tem procurado soluções alternativas e criativas para conseguir o seu ganha-pão.

“Eu sou o pessimista da família, então eu tinha uma reserva. Mas ninguém é tão pessimista assim de achar que vai ficar mais de um ano sem trabalhar. Eu tinha reserva para três ou quatro meses — e isso que o máximo que já fiquei sem tocar foi duas semanas. Com essa reservinha, não precisei vender minhas coisas, como a maioria dos meus amigos. Depois, fiz uma coisa que nunca tinha feito na vida: fui atrás de direitos autorais meus. Entrei em contato com os órgãos, as gravadoras, e vi que tinha uma grana pra eu pegar, que eu nunca tinha ido atrás. Continuei devendo para todo mundo que tava devendo, mas dinheiro para comer eu tive”.


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Foto: divulgação

Além disso, ele revela também ter conseguido alunos particulares de fora para ensinar produção — pagando em Euro ou dólar. O DJ ainda chegou a conseguir umas gigs em novembro, quando os eventos chegaram a ser liberados por causa das eleições, mas segue com dificuldades ao ver que a grana está cada vez menor. “Tem dinheiro de novembro sobrando ainda, mas agora já tá num nível que tipo: pô, deu merda de novo. O que a gente vai fazer? Não tá fácil”, lamenta.

A importância (e a responsabilidade) do DJ para a sociedade

Em nossa conversa, Glen sempre mostrou-se ciente de suas responsabilidades de ter que se sacrificar para evitar números ainda piores no Brasil. Ao mesmo tempo, ele diz compreender aqueles que não conseguem ficar em casa por todo esse período, culpando o governo por falta de condições.

“Eu sou totalmente a favor do lockdown, mas você tem que dar condição pra pessoa fazer isso. Beleza, vamos ficar em casa? Primeira coisa que tinha que ser feita é dar um suporte para quem não vai sair. Porque você não pode sair, só que você não tem outro emprego, não sabe fazer outra coisa, vai ficar na sua casa morrendo de fome?”

Glen também discorda de quem vê a sua profissão como uma atividade não essencial.

“Conversei sobre isso hoje com a minha mulher. As pessoas acham que festas e eventos sociais não são importantes pra saúde nem para sociedade. É um trabalho com retorno a longo prazo. O ser humano é feito pra socializar. É um trampo que tem que existir, é importante, e se esse é o difusor de uma doença viral seríssima, grave, beleza, você não pode trabalhar porque é questão de saúde. Ah, dá pra segurar a mão por um tempo? Lógico que dá, se tá todo mundo doente, fica aí, dá pra ficar um ano sem sair de casa. Mas se você não tem isso [suporte do governo], o resto vai dar bosta, é lógico”, pontua.

Inveja?

Um dos temas mais recorrentes do papo com o DJ paulista foi a questão da negatividade sentida através de pessoas invejosas, algo que ele parece ter sofrido por bastante tempo em sua vida, sobretudo, no começo da carreira.

“Sou DJ há 21 anos e minha vida inteira eu vejo pessoas apontando na minha cara e falando: `você é um vagabundo, por que não arruma um emprego de verdade?`. Eu tenho dois filhos, tenho mulher, minha casa. Eu estudei 20 anos pra chegar no patamar que eu tô. Por mais que hoje ninguém teria coragem de olhar para mim e falar: `vai arrumar um emprego, seu vagabundo!`, você sente que as pessoas pensam isso. Você vê que o cara tá ali feliz que você tá se fodendo. É um pensamento muito escroto”, segue Glen.


“São pessoas que queriam estar no meu lugar. As pessoas tentaram, não conseguiram, eu consegui. Então acho que isso é a base de todas essas merdas que estamos tendo na política. Quando vejo política hoje em dia, vejo essas pessoas. Parece que foderam os artistas de propósito. Não teve um apoio de nada. Já tive raiva, hoje eu entendo. As pessoas são assim, não saem da zona de conforto e é isso. Agora os artistas tão tomando no cu, sem dinheiro. Eu devia ter me preparado mais, porque eu já tô esperto que a todo momento tem alguém querendo te foder. Mesmo assim, estamos bem, e ainda tô dando risada dos outros: `ah, seu idiota, você acha que isso que vai me parar, de ser DJ, de fazer o que eu amo?`. Não vai ser, eu já sobrevivi a muitas crises, vai rodar essa, vai passar, vou voltar melhor do que entrei e vai ser do caralho”.

Luz no fim do túnel

Apesar de todos os pesares, Glen e seus familiares mais próximos sobreviveram aos dramas recentes, o que o faz ter mais esperanças para o futuro. O DJ tem planos de viajar para os Estados Unidos em uma pequena turnê e, quem sabe, até mudar-se para lá dentro de um ou dois anos, mas descarta ficar por muito tempo na gringa sozinho, por sentir falta da família. Assim, conta com o processo de vacinação no Brasil para, finalmente, a vida profissional voltar a uma normalidade.


“Vejo uma luz no fim do túnel, a não ser que venha essa terceira, quarta onda aí. Aí fodeu, vou ter que vender todas as minhas coisas. Mas se não tiver essa outra onda, outra variante que passe por cima da vacina, aí a gente tem uma data pra acabar. Aqui tá todo mundo positivo, de novo. Sabe que setembro, outubro. Pessoal da agência está feliz porque acha que vai virar o Réveillon. Você tem que olhar lá pro fim: pra chegar lá, o que eu tenho que fazer?”, conclui.

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