Por Rodrigo Airaf
Fazer uma apresentação Live Act é uma experiência profundamente imersiva para um músico de carreira. A capacidade de moldar e manipular o som em tempo real, criando uma jornada sonora para o público, numa mágica que tece camadas de ritmos pulsantes, paisagens sonoras intrincadas e incontáveis possibilidades amparadas pelos instrumentos, pode criar um profundo senso de conexão com a música e a plateia.
Essa sinfonia de tecnologia e emoção a duas mãos, como um momento congelado no tempo, é a força motriz do trabalho que o paranaense Anderson Ferreira faz nos seus shows como Loops On. Adepto à técnica de Live Looping, a ideia é ir construindo uma amplitude sonora em camadas à la Marc Rebillet, só que do jeitinho brasileiro e culturalmente diversificado que Anderson imprime de maneira perspicaz após 22 anos de vivência profissional na música.
O projeto, que é dinâmico, nada protocolar e que se pretende como uma mescla de várias referências – tech house, afro house, funk house, música brasileira, funk soul, indie e world music, para citar algumas – é de altíssimo nível. Repare no plano-sequência do clipe oficial de seu lançamento mais recente, o single “Action!”. É a exibição ideal para compreender até onde pode chegar o emaranhado de ideias que saem da cabeça de Anderson, não importa o recurso a ser utilizado – instrumentos eletrônicos, instrumentos orgânicos e a própria voz.
Quando falamos em música eletrônica, “Action!” é mais uma das demonstrações artísticas sublimes às que Loops On submete o seu público desde 20192018, quando abraçou de vez a sua faceta sônica mais “clubber”. Entretanto, a história vem de muito antes, confundindo-se com o momento embrionário de muito do que hoje entendemos globalmente como dance music, e com a vantagem da dedicação e evolução constantes de Anderson como multi-instrumentista.
“Na minha infância eu morava exatamente na frente de um disco club, um dos primeiros da cidade onde nasci, Guarapuava-PR. O carro-chefe era a house music noventista. Tinha muita curiosidade naquele som pulsante, que chegava a entrar na minha casa, o máximo que dava para quem ainda não tinha idade para frequentar os clubs. Me tornei primeiramente baixista e, no começo dos anos 2000, comecei a tocar em bandas, passando por gêneros como rock, reggae, música brasileira… mas o groove do funk soul e da disco me instigaram muito por conta das linhas de baixo. Desde minha primeira banda, buscava inovar, criar algo diferente, que saísse do convencional”, conta Anderson, hoje aos 38 anos.
O formato Live Looping, por seu panorama histórico, suas diferentes formas de aplicabilidade, tornou-se o ponto de ebulição criativa e realização das fantasias musicais do artista. Nesse sistema de criação, gravação, mixagem e execução dos instrumentos ao vivo, Loops On é capaz de explorar timbres com tal vastidão, agilidade e competência que, em um mesmo show, nota-se camadas de baixo elétrico, flauta de pífano, órgão, agogô, tamborim, triângulo, caxixi, sons corporais, beat box, drum pads, sintetizadores e vocoders.
“A música eletrônica é uma forma de expressão que está sempre em movimento intenso. Vejo como um terreno fértil e prazeroso para desenvolver e fluir a criatividade artística. Sou uma pessoa extrovertida e, dependendo do meu estado de espírito e da circunstância, em cada momento vivo uma de várias personalidades. Eu percebia que, apesar de ser um sistema bem diferente do que eu e meus parceiros de banda usávamos, havia um importante poder de criação na dance music”, comenta.
A estética sonora de suas composições refletem, é claro, esta curiosidade artística eclética aliada a uma técnica musical profissional. Anderson pode caminhar do “jazzy-deep-chic-brasil” de “Action!” para a infusão downtempo e orgânica de “Marelooping“, e até mesmo fazer versões estilizadas ao seu próprio modo para os hits “Around the World”, do Daft Punk, e “Oração ao Tempo“, do Caetano Veloso.
Essa abordagem musical universalista de Loops On se estende à maneira que ocupa espaços diversos para fazer som. Pode ser a rodoviária Rita Maria, no coração da capital catarinense, onde gravou seu último Live Act; pode ser uma jam session com os amigos; pode ser na praia, no campo, em clubes, em museus e, especialmente, em vários espaços culturais para os shows que fez no Brasil e no exterior – incluem-se aqui duas turnês internacionais, que viram Anderson se apresentar em mais de 40 cidades.
“Eu tinha apenas duas semanas pra organizar o sistema que eu almejava criar, quando fui desafiado a fazer isto na minha passagem pela Espanha, em 2018, quando ainda não existia Loops On. Na real, foi um sufoco, mas, no dia da gig, o povo curtiu bastante e o dono da casa me ofereceu outra data. Aí percebi que estava realmente nascendo o meu trabalho solo. Em 2019, já no Brasil, defini o nome Loops On, trabalhei na identidade visual e gravei uma live da minha track “Veranico 4’19”. Com esse material fechei minha primeira tour na Europa”, comenta Anderson, referindo-se ao período inicial do projeto dentro dessa redoma da música eletrônica. Foram, logo de cara, 15 shows espalhados por Portugal, Espanha e França.
Nesse circuito de viagens pelo país e pelo mundo, destacam-se a apresentação na Festa Namastê, em Ibiza, no Psicotrópicos Festival, de Berlim, e no Arsch Voll Barden, em Nuremberg, (também na Alemanha). Toulouse, Lisboa, Munique, Sevilha, Coimbra, Barcelona, Málaga, Viena e Tarragona foram mais pólos culturais que acompanharam as tours. Nem mesmo durante a pandemia Anderson parou de se apresentar, a exemplo do Festival mexicano Live Looping Online, e de ter sido selecionado como “Proposta Artística Inovadora” no streaming do evento virtual da Universidade do Estado de Santa Catarina.
No Brasil, Loops On tem no currículo a presença em eventos interessantíssimos de Norte a Sul, como a gigante Noite dos Museus, de Porto Alegre, e o South Summit, também na capital gaúcha; o Floripa Jazz, em Florianópolis, e o Encantadas Jazz Festival, na Ilha do Mel do Paraná. Esta agenda se estende a São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraná, Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Bahia.
Com toda a diversidade de texturas e a mistura entre o ancestral e o futurístico, Loops On coloca Anderson Ferreira como a fuga da mesmice e dos rótulos, ao mesmo tempo em que reafirma o ecossistema infinito de experimentações que só mesmo a música eletrônica pode proporcionar. “Movimento, fluidez, transformação e vida é o que eu quero que meu projeto represente para a minha audiência… um fluxo das melhores frequências possíveis”, conta Anderson.