Exclusivo: Marcelo Madueno, gerente de eventos da Entourage, conta desafios na produção do Time Warp

Por Gabi Loschi – colaboração de Lau Ferreira (Boreal Agency)

Foto de abertura: divulgação

Começa hoje. Nesta sexta-feira, 6 de maio, e também no sábado, 7, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, o público nacional vai, enfim, matar a saudade de um dos melhores e mais conceituados festivais de house e techno do planeta: o Time Warp. Depois de remarcações e cancelamentos por conta da pandemia, esta terceira edição em terras brasileiras traz um elogiadíssimo line up, com atrações internacionais do calibre de Marcel Dettmann, Charlotte De Witte, Nina Kraviz, Palms Trax, Four Tet, Giorgia Angiuli e Sven Väth, além de um time de brasileiros na linha de frente, como Eli Iwasa, BLANCAh (que fará take over nos stories da @housemag), L_cio, entre outros. 

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Foto: divulgação

Para entender melhor o impacto deste retorno, depois de um hiato de dois anos e meio, falamos com o gerente de eventos da Entourage Marcelo Madueño, o Madu. A agência brasileira — que também está à frente de alguns dos rolês de música eletrônica mais prestigiados do país, como Tantša, Só Track Boa, NAFF, BOMA e Kaballah — assina a produção do Time Warp Brasil desde a sua estreia, em 2018, em conjunto com a alemã Cosmopop.

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Marcelo Madueño (Madu) – Foto: Facebook

Madu explicou o que podemos esperar deste final de semana, quais foram os principais desafios desta edição, os artistas que ele mais quer ver e como enxerga o momento atual do mercado.

HM – Madu, como você está sentindo o mercado musical nesses últimos meses?

Em relação ao mercado musical de eventos, está a todo o vapor. Porque esse mercado, lá atrás, pensou: “o mundo vai acabar na metade de 2022, então tudo o que a gente tem, a gente vai fazer nesse semestre”. E é assim que eu tô vendo as coisas.

Lógico que existe um consenso entre organizadores de eventos dos mesmos gêneros musicais de não ficarem se atropelando, mas em geral, é evento pipocando de todos os lados, o tempo inteiro, nonstop.

HM – O Time Warp não será o primeiro evento que você produz desde que o retorno foi autorizado. Em dezembro, veio a Tantša, em um momento em que muitas pessoas voltavam a sair após quase dois anos de reclusão. Como foi realizar um festival naquele momento?

Produzir qualquer evento, logo depois de sair das restrições, foi difícil pra todo mundo. No contexto da Tantša, a gente tinha um anúncio feito na metade de outubro sobre a volta dos eventos, e eu tive que desenrolar com a minha equipe um festival para sete mil pessoas em dois meses, do zero. Foi muito desafiador porque o cronograma foi muito apertado. Tenho sorte de ter uma equipe muito boa, que conseguiu dar conta do recado, e acho que o maior desafio foi da marca, de uma festa que tinha cerca de três mil pessoas a cada edição, mais do que dobrar de caminho.


E contando um novo capítulo, que agora, como Tantša, a gente se torna uma festa maior, que é o festival, que vai acontecer de novo neste ano, além de festas para quatro, cinco mil pessoas. Porque sendo uma label mais madura, damos espaço a outras labels fazerem algo próximo ao que a gente sempre se propôs a fazer com a curadoria musical.

Eu já vejo essas coisas acontecendo. Tem umas duas, três festas que falam comigo pra eu dar uma certa mentoria, pela experiência que eu já tenho, então foi muito legal voltar com tudo. Foi difícil nesses aspectos, e eu acho que a gente conseguiu de certa forma fincar uma bandeira de que o mercado dos eventos voltou e ninguém vai parar a gente.

HM – Agora com o retorno tão aguardado do Time Warp, que inclusive deu sold out em pouco tempo, como está a sua percepção dos ânimos das pessoas para festas no país? Está sendo o que você imaginava?

Vieram me perguntar: “tá realmente sold out?”. Sim, tá realmente sold out. As pessoas vão perceber no evento que caberia muito mais gente, porque a gente se propôs a entregar um evento muito maior do que a última edição, e pra isso tínhamos uma certeza: a experiência do público não poderia ser prejudicada. Por isso, não seríamos gananciosos de colocar um número muito diferente do que aquele, para realmente poder ter uma noção melhor do comportamento do público, dos novos hábitos, do fluxo de pessoas.

A gente mudou de espaço também dentro do Anhembi, e essas coisas acabaram fazendo com que decidíssemos preservar a experiência do público, e não socar de vender ingresso, porque não é a isso que o festival se propõe.

A nossa percepção de animação das pessoas é desde o momento que a gente começou a vender, porque nos dois primeiros dias vendemos 10 mil, 11 mil ingressos, sem line up nem nada. Sabíamos que a galera estava muito ansiosa, então tá sendo revigorante essa energia.

Tem uma demanda reprimida querendo muito festar, ficar até o final. O número de pessoas que querem ficar até o final é muito maior do que antes. As pessoas estão com muita sede, bebendo muito mais do que antes. Então é muito importante também notar que isso é um movimento geral do mercado, não é algo específico de um ou outro evento.

HM – Em 2018, quando o Time Warp veio pela primeira vez ao Brasil, você nos contou que as principais dificuldades eram o câmbio e viabilizar a estrutura da pista principal. Hoje, em um 2022 pós-pandemia, quais têm sido os principais desafios?

Chegando na terceira edição, estamos mais calejados sobre alguns assuntos, mas acho que a principal mudança que tivemos de 2018 para 2022 é que a gente tem uma proximidade e uma sinergia muito grande com a equipe da Cosmopop, que detém a propriedade intelectual do Time Warp na Alemanha. Nossa conexão, quando se trata de temas de segurança, produção e experiência, em geral, é muito similar. Do ponto de vista técnico, os times também se conhecem há mais tempo, então existe uma confiança de que as coisas vão ser executadas da melhor forma.

Este ano, o desafio mudou, porque tivemos muitas surpresas. Por exemplo, a tenda que a gente iria usar originalmente era a mesma da edição passada, só que mais longa. E essa tenda foi pra manutenção na Europa e não voltou pro Brasil por conta da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, graças a um problema de fornecimento de matéria prima em Portugal. Então tivemos que trocar para uma outra tenda que existia aqui no país, e isso fez com que a gente tivesse que mexer na planta do evento e no projeto de cenografia que já tinha sido desenhado; a gente teve que mandar fazer mais material da noite pro dia. Uma mudança acarreta em várias outras.

E o que aconteceu também foi que o Carnaval mudou de data, e por isso o desfile das campeãs foi originalmente transferido para o sábado passado. E aí a gente entrou numa discussão muito grande entre Time Warp, a nova gestão do Anhembi e a prefeitura de São Paulo, junto com a Liga das Escolas de Samba, para viabilizar a mudança do desfile das campeãs pra sexta, dia em que a nossa montagem começava. No final das contas, perdemos um dia e meio de montagem, e desde o sábado, algumas equipes viraram 24 horas por três dias seguidos. Não as mesmas pessoas, mas os mesmos fornecedores, três dias virando pra conseguir entregar o evento.

Esses foram desafios muito grandes, porque se chove um pouco, venta um pouco, se a Liga não sai com os carros alegóricos, tudo isso poderia gerar um atraso catastrófico. Felizmente, nada disso aconteceu, e a gente conseguiu montar o evento muito, muito bem.

HM – O line up do Time Warp foi muito elogiado. Fale um pouco do processo de curadoria e da troca existente entre o time brasileiro e o time alemão para a escolha dos artistas.

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A curadoria do Time Warp é feita a quatro mãos. É a organização do Brasil que conversa com a da Alemanha, troca figurinhas sobre nomes que são clássicos do festival, que sempre tocam na Alemanha e naturalmente viriam tocar aqui, e trazemos também um pouco do que o público local gosta de ouvir. É uma discussão que é sempre feita entre eu e o Guga [Trevisani, sócio-diretor da Entourage] — ele lidera essa pasta e eu colaboro, assim como eu lidero a pasta de produção e ele colabora —, e isso é transpassado com a equipe alemã.

O Time Warp é muito simbólico na Europa porque é o primeiro festival do “verão” — de quando o continente está esquentando. E é o momento em que o artista leva sua família, eles ficam vários dias lá, e tem um sentimento de união muito grande. A gente quer fazer também dessa forma no nosso receptivo de artistas. Temos uma área de convivência muito legal com eles, e tentamos trazer um pouco desse gostinho de que aqui no Brasil eles também vão ter uma casa.

HM – Você terá tempo de curtir um pouco a pista? Quais artistas você não quer perder?

Teoricamente, não. Curtir, pra mim, envolve um pouco mais de profundidade na pista, e a minha cabeça tá o tempo todo ligada em produção, operação, em como as coisas estão se encaminhando, então não consigo fazer uma imersão. Eu tenho, sim, os artistas que eu tô mais interessado em ver — não necessariamente os que eu gosto mais, mas os que estão fazendo mais sentido pra mim no momento. Eu tinha até pensado em selecionar um de cada palco em cada dia, mas eu quero ver muito mais.

Acho que o primeiro que não quero perder, se a gente for falar sobre a Cave, é o Victor Ruiz. Como um dos maiores artistas brasileiros do techno, eu tô bem curioso pra ver qual o set que ele vai fazer.

Falando sobre o palco de fora, eu nunca perco o Ben UFO — acho que já vi ele tocar umas dez vezes. Cuidei dele num D-Edge, na época em que eu trabalhava lá. Eu acho esse cara fantástico. Tá no top 3 deste festival e no top 10 da minha vida, porque o que ele consegue fazer só com disco de vinil e sendo seletor é indescritível. Outro artista que acho muito interessante é o Four Tet. É um trabalho de texturas que é meio transcendental. Então eu me sinto em paz quando eu ouço, eu gosto bastante.

O b2b do Seth Troxler com o Tiga, também vou dizer que tá muito fera. Apesar das pessoas às vezes falarem pouco do Seth Troxler, porque ele já tocou muito no Brasil, ele é muito foda. É um dos artistas que raramente perdem a mão, então ele é com certeza um destaque, principalmente com o Tiga. E o B2B da Steffi com a Virginia também. Se eu pudesse, eu acabaria ficando mais na pista de fora do que na de dentro no primeiro dia, porque eu já vi muitos dos artistas que vão tocar no Cave.

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L_cio no Time Waro Brasil 2019 – Foto: divulgação

Agora, no sábado, eu nunca perco o L_cio. É um cara único, o maior artista de música eletrônica brasileira underground. Sempre gosto de ter ele por perto porque é um gênio artístico. O Reinier Zonneveld é um puta nome que é inédito no Brasil e eu não perderia por nada.

Lá na pista de fora, o Vermelho sabe que ele, junto com o L_cio, é um dos meus favoritos do país. Veria também Bob Moses, porque faz parte da minha educação dentro da música eletrônica, lá de 2009, quando eu comecei a me envolver com o som mais underground. E além deles, pelo hype e porque tem um som bem dançante, eu veria Artbat.

HM – O que o Time Warp significa para você, particularmente ?

O Time Warp reúne uma série de coisas que pra mim fazem sentido: tecnologia, apreço pela arte e profissionalismo. Acho que quando a gente olha para os festivais de música eletrônica no mundo, existe um número considerável que faz uma boa entrega, mas o Time Warp faz uma entrega fenomenal. É excelência.

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Foto: divulgação

Acabo buscando sempre referências no Time Warp pra fazer com que a Tantša seja melhor, e também nos outros eventos que a gente faz. É um festival que tem um nível muito alto, e pelo qual eu tenho muito respeito.

HM – Quais são as principais atitudes e conhecimentos que um produtor de eventos deve levar em consideração hoje no Brasil para entregar uma boa festa, ser fiel ao seu conceito e conseguir viver disso?

Agora, depois da pandemia, as coisas mudaram bastante. Muita coisa foi revista. Quando a gente fala em produtor de eventos, me vêm à cabeça duas pessoas diferentes: o empresário, que produz a sua festa, e o produtor que põe a mão na massa. Do ponto de vista do produtor, ele sempre tem que ter em mente a experiência do público: que não demore pra entrar, que tenha mobiliário pra galera sentar, que o cardápio seja legal, que não tenha filas pra bebida e banheiro, que esteja devidamente cenografado… Ele tem que ter atenção a detalhes, ser proativo, ter uma boa noção dos tempos e movimentos de se produzir um evento.

Cada setor dentro de uma produção tem um momento para ser discutido, então o produtor tem que saber o momento certo pra depois ele não se atropelar. Checklists são muito necessários, porque muitas coisas acontecem. Precisa ter um sistema de gerenciamento de projeto, que já conecta todas as pessoas envolvidas com as atividades, com deadline, prioridade. Esse é o nível de organização que eu tenho dentro da empresa, e é isso que eu espero de um produtor que eu for contratar.

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Foto: divulgação

Agora, para o dono do evento, a situação atual é diferente, porque a demanda está distorcida. Muita festa tá aparecendo agora, mas depois o bolso do público vai começar a esvaziar e ele vai voltar a escolher — e se você não entrega todos esses diferenciais, você vai embora rapidinho.

É difícil ainda sobreviver de festa underground, mas é uma realidade muito maior do que era há dez anos. A Tantša tem seis anos, e não tinha nenhuma festa desse tipo em São Paulo. As outras já existiam há mais tempo, mas com um conceito mais abrangente. E hoje tem várias festas de techno em SP, então daqui a pouco vai ser possível viver do alternativo. Hoje acho difícil. Participar do projeto ou ter várias profissões é algo que ajuda. Você é engenheiro de som e é DJ, ou você é DJ e é dono de festa, ou você é dono de festa e trabalha no Facebook. Todas essas pessoas existem no mercado.

HM – Por fim, deixe uma mensagem ao público do Time Warp no Brasil.

A mensagem que eu mandaria pro público é uma tradução de um mote que acompanhou o Time Warp durante um tempo: “the truth is on the dancefloor” — “a verdade está na pista”. Pra mim isso é muito verdade. A pista é o momento de revelação, de reflexão, de conexão. Então, te vejo na pista!


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