Por assessoria
Foto de abertura: divulgação
Quantos DJs brasileiros com 28 anos de carreira e ainda em atividade você conhece? Poucos, provavelmente. É nesta pequena parcela de artistas que se encontra Leo Janeiro, chamado carinhosamente por muitos de “filhão”. Sua paixão pela House e suas vertentes começou lá no final dos anos 80, se mantém até hoje e serve como energia propulsora em sua carreira, personificando sua busca incessante pela originalidade e expressão musical autêntica.
Mesmo após tanto tempo, hoje ele ainda mantém uma rotina ativa com apresentações por todo o Brasil, dedica tempo como curador e headlabel do Cocada Music, sua própria gravadora e label party, e volta e meia se arrisca em algumas experimentações no estúdio, lançando músicas como seu mais recente remix para Pedro Gariani, que saiu pela U’re Guay Records.
Sem dúvidas, Leo Janeiro é e sempre será uma figura emblemática da cena nacional, portanto, qualquer oportunidade de conversar com ele torna-se irrecusável. Construção de sets, produção musical, cena carioca e mais alguns assuntos falamos abaixo:
House Mag: Oi, Leo! Tudo bem? Obrigado por falar conosco! Você é um artista que teve o privilégio de vivenciar e trabalhar de maneira ativa junto a cena eletrônica brasileira nas últimas décadas. Esse período representa uma enormidade de ciclos e reviravoltas que acabaram por nos trazer até aqui. Qual é a sua análise e percepção do momento que estamos vivendo? O que há de melhor no período atual e quais são os desafios mais complexos que temos para lidar?
Leo Janeiro: Obrigado pelo espaço queridos! Bem, eu to muito feliz com o que eu estou vendo, acho que qualquer mudança na maioria das vezes nos abre para novas percepções, tenho isso bem claro comigo. Muito do que estamos vendo hoje no nosso mercado vem impactando de várias formas, na música, nos eventos e principalmente na possibilidade de novos artistas encontrarem espaços mais democrático, podendo expressar seu lado artístico sem amarras, vejo como algo mega positivo. Os desafios são diversos, mas o principal, no meu ponto de vista, é continuar abrindo espaços e ajudarmos a capacitar quem tá chegando, na minha cabeça, precisa ter esses dois momentos. É um longo caminho mas tá acontecendo, acredito 100% nisso!
House Mag: Talvez uma das mudanças mais relevantes de sua carreira tenha sido a movimentação realizada há alguns anos para ter sua própria gravadora, Cocada. Como se sabe, gravadoras são projetos de longo prazo e devem ser trabalhadas com cuidado, especialmente para não cair no grande bolo de lançamentos genéricos que acontecem todas as semanas. Como você e seu time trabalham para que projeto seja realmente especial dentro de seus respectivos contextos?
Leo Janeiro: Na real eu não gosto de ficar parado (risos), sempre tô mexendo em algo que tem a ver comigo. Preciso disso, pois é combustível! A questão de ter um label começou lá atrás, eu trabalho com música há um tempo, isso me ajuda muito a ter um olhar real sobre alguns lances. Às vezes eu dou uma “pirada” positiva pensando em como posso mostrar aquele lançamento para o mundo e quais formas podem funcionar de maneira prática.
No Cocada Music sempre foi nosso desejo sair do lugar comum, isso fica claro com os nossos lançamentos. Desde o início adotamos uma curadoria que foi crescendo e mudando com o tempo, nós gostamos disso, sem essa pressão de lançar por simplesmente ter que falar de algo. Nossa ideia é ter um catálogo que possa ser utilizado de várias formas com o passar do tempo e tenha um valor artístico, e por que não, comercial.
Uma parada legal é que coloco tudo que aprendi em prática, desde meu início em gravadoras, em 1996. Tudo isso ao mesmo tempo em que aprendo o que posso fazer para ajudar não só o meu label mas como outros tantos que tem um potencial incrível. Costumo dizer que isso demora um tempo, nesse “business” os resultados não acontecem de uma hora para outra e sim com o tempo. É uma construção em vários níveis e o melhor é poder achar artistas incríveis e cheios de gás.
House Mag: Percebo que nos últimos anos parte importante da cena voltou a dar mais valor à pesquisa do DJ, separando esta habilidade de pesquisa dos atributos do produtor musical. Ao longo de sua jornada na música, quais foram os principais ensinamentos que te fizeram enxergar a relação entre pesquisa e performance de uma forma mais avançada?
Leo Janeiro: Excelente falarmos sobre isso. Pesquisa musical para um DJ é o ponto de partida de tudo que envolve esta profissão. Música é uma fonte inesgotável de várias formas, ela te faz criar sensibilidade e feeling que por consequência serão usados na pista de dança. Uma das coisas que nunca me esqueci é o quanto foi importante no início escutar outros DJs e ir a lojas de discos passar horas só consumindo música. Me lembro às vezes de estar num papo e do nada alguém falava sobre determinado artista que eu não conhecia, eu procurava escutar ou achar algo. Nem sempre era fácil, claro, pois a informação ainda não era tão disponível, porém sempre tinha gente querendo ajudar.
Dá pra perceber nitidamente quando você escuta um DJ que mostra isso na sua essência. Acho que uma das maiores capacidades que nós temos é apresentar isso ao público, de maneira única. Porque sim, isso ajuda na performance e na maneira como o público é impactado naquela apresentação. Até hoje quando tô na pista fico feliz de ver um DJ dividindo sua discoteca conosco. É um privilégio!
House Mag: Acho que o otimismo e a perseverança são duas marcas registradas de sua carreira. Conta pra gente como você trabalha esse lado mais mental para se manter ativo e motivado?
Leo Janeiro: Eu amo o que eu faço, isso já me deixa muito feliz. Muita gente acha que a carreira de DJ está ligada ao sucesso e o que se mostra nas redes sociais, mas não. É justamente você acordar e fazer aquilo que você gosta! Me sinto um privilegiado de poder trabalhar com música em diferentes áreas. Paro as vezes e penso que muitos tentaram mas infelizmente não conseguiram por diversos motivos. Eu tento me conectar sempre com um lado mais positivo, mas é um desafio pois também tenho meus momentos de dúvidas. Então penso o quanto já caminhei e quanta coisa eu fiz, isso acaba sendo uma maneira de equilibrar as coisas. Também tento sempre que posso ajudar a galera mais nova de alguma maneira, diretamente ou indiretamente.
House Mag: O termo ‘Brasilidade’ é bastante amplo, mas de uma forma geral é possível dizer que ele tem ganhado bastante relevância na cena internacional com gravadoras não brasileiras sampleando e trazendo edits de clássicos perdidos da nossa história. Como você enxerga este movimento? Quais são as oportunidades e cuidados que devemos tomar?
Leo Janeiro: O Brasil não é só a terra do futebol, na música sempre soubemos ser vanguarda e temos isso até hoje. Independente do estilo, é algo que chama atenção no geral. Eu acho incrível quando encontro algum edit gringo ou até mesmo um remix que eu não conhecia de alguma artista brasileiro, isso é prova que temos um legado espalhado pelo mundo. Acho que os cuidados são importantes, se você quer comercializar algo que por acaso você usou como um sample ou fez um bootleg, faça todos os esforços para conseguir isso legalmente antes de qualquer coisa. Isso é fundamental para que no futuro esses processos de licenciamento sejam mais rápidos, colaborando para nossa credibilidade enquanto movimento musical.
House Mag: Como residente do Warung, certamente foi muito difícil testemunhar o que aconteceu com o club este ano. Você sempre se mostrou um artista muito ativo na representação do club em diferentes frentes e por isso gostaríamos de entender como você avalia a relação entre futuro e legado do club neste momento atípico…
Leo Janeiro: Eu tenho um carinho muito grande pelo club, por todos que trabalham ali e por tudo que o W me proporcionou. São muitos anos dedicados a construir uma história, eu fui bombardeado por muitas imagens que chegavam pelo whatsapp, é algo que você nunca pensa que pode acontecer perto ou em algum lugar que você gosta. No primeiro momento fiquei chocado e depois a ficha foi caindo… Graças a Deus ninguém se machucou. Fico feliz de ver o club voltando às suas atividades e muito amigos participando deste momento.
Ver o W voltando a funcionar é algo muito importante, clubs são a base da cena, isso é algo importante de se falar. Atualmente o Brasil tem menos clubs e por conta disso uma parcela do público não entende essa importância. Dentro deles provavelmente é onde cresce nossa noção de cena local, oportunidades para novos artistas e possibilidade de uma forma mais intimista. Espero que possamos continuar tendo espaços como o W entre outros que temos por aqui.
House Mag: Quando olhamos em uma linha do tempo musical seu release MooDisco, de 2017, um lançamento pela DOC, muito relevante no período em que aconteceu, e seu recente EP pela Cocada, Gin Tônica/Marambaia/Uncle Silva, há uma grande transformação musical. Como exatamente o produtor musical Leo evoluiu e se transformou nesses 6 anos?
Leo Janeiro: Todos os dias se transforma. Me lembro de uma entrevista do Miles Davis falando sobre como o artista pode andar por diversos caminhos, mas sabendo como chegar onde ele quer. Eu tenho isso comigo! Imagina se limitar por conta disso ou daquilo… Até a maneira que eu vejo os meus sets às vezes pode mudar de acordo com o que eu penso naquele momento. Eu sou um DJ de House, mas não tenho bloqueios para produzir ou pesquisar algo que eu goste. Sempre foi assim, todo dia acabo escutando um som novo por conta do meu job, gosto disso!
Housemag: Por fim, há algum novo projeto que você tem trabalhado ou alguma novidade que você gostaria de adiantar para quem chegou até aqui?
Leo Janeiro: Meu álbum, para o início de 2024. Ele já tá começando a ganhar forma, feliz de já ter uma galera topando participar em algumas colaborações. Acho legal ao longo desses quase 28 anos de carreira, juntar as pessoas que gosto, é um momento único. Ao mesmo tempo quero me divertir nesses encontros, claro!
House Mag: Para finalizar, a gente gostaria de deixar um espaço em branco para que você pudesse compartilhar conosco um pouco da sua energia, visão e opinião em torno deste momento atual que a cena vive e de como podemos seguir trabalhando para encontrar melhores caminhos no futuro… Obrigado, Leo!
Leo Janeiro: Eu fico feliz de ver muita gente nova talentosa chegando e a galera que tá aí trabalhando há um tempo continuando fazer a roda girar e apoiando quem tá chegando. Esse mix é algo muito foda que eu vejo que está rolando muito bem. Pessoalmente tenho encontrado pessoas que nunca escutaram um set meu mas por conta de estar envolvido em coisas relacionadas ao nosso mercado, me pedem feedback ou até mesmo algum toque.
Importante focar no seu trabalho. Muitas vezes é tanta demanda que acaba atrapalhando muito. Eu tenho percebido que isso é um desafio, porém menos é mais, focar na sua música e trabalhar da melhor maneira. Valeu, pessoal!