Por: Adriano Canestri e Lau Ferreira
Edição e supervisão: Gábi Loschi
O The Town, festival que estreará no Brasil em São Paulo dia 2 de novembro, traz uma proposta diferente sobre o que se está acostumado em relação à música eletrônica nos grandes festivais.
O palco New Dance Order, que já havia sido apresentado ao público no Rock in Rio, será a casa da dance music em mais um festival. As pessoas por trás do line up são as mesmas, mas a execução terá outro conceito para o The Town.
No festival carioca, a curadoria da pista eletrônica optou por uma linha de grandes nomes que o público conhece e por artistas com carreiras consolidadas – em sua maioria. Dessa vez, no festival paulista, como o próprio nome sugere ‘’A cidade’’, a produção optou por DJs e coletivos que representassem a cidade, como ODD, Gop Tun, Carlos Capslock, Mamba Negra, grupos independentes que movimentam a cena underground de São Paulo. E também tem nomes da música eletrônica relevantes que estão há anos na estrada como Kevin Saunderson, que também apresentará o lendário Inner City, Renato Cohen, Paul Kalkbrenner, Gui Boratto, Crazy P Soundsystem, entre vários outros que você pode conferir no line up completo no site oficial.
Em um ano que o Brasil recebe diversos festivais internacionais como Tomorrowland, Ultra, DGTL, Afterlife, Dekmantel, o The Town vem na contramão de tudo o que é apresentado nestes big names.
Para entender um pouco melhor como foi trabalhado essa ideia, os processos e motivações que levaram os organizadores do New Dance Order a trazer essa proposta ao festival, batemos um papo com o Cláudio da Rocha, que está na linha de frente da equipe que montou o line up.
HM – Como foi trabalhar na curadoria do New Dance Order para o The Town? Quais as principais diferenças em relação ao Rock in Rio?
Acho que as diferenças foram muitas, dado a maturidade, a intelectualidade, por assim dizer, musical do paulistano versus o carioca. Porque o Rock in Rio vem gente do Brasil e do mundo inteiro, mas aqui eu acho que carecia uma sofisticação de um lado. Então a gente trouxe esse olhar até estético musical, no sentido de que a música eletrônica não é só DJ set, então trouxemos bandas com vocais, instrumentistas, um show mais completo.
Mas, um outro aspecto é que toda a campanha do festival, todas as atrações, de alguma forma, tinham uma relação muito forte com uma apresentação, sendo um cartão de visita da cidade de São Paulo. Então a gente quis contar a história um pouco do que aconteceu, da história da cidade de São Paulo. Quando a gente traz lá o Crazy P Sound System, o Mau Mau, o Renato Cohen, o próprio Inner City, que não vem à cidade há 30 anos, traz esse retrato contemporâneo das festas, são mais do que festas, são movimentos de música, de comportamento, de ocupação de espaço, quase sociais políticos, que naturalmente vão crescendo, vão se desenvolvendo, vão criando empresas. Mamba, Odd, que nascem ali, muito orgânico, debaixo do viaduto, festa gratuita. Há uma maturidade desses movimentos, e a gente apresenta eles em formato de showcase.
O Rock in Rio a gente deixa mais aberto, é meio que uma apresentação de todas as vertentes da eletrônica, então a gente tinha noites com trance, tinha noites com Brasil comercial, internacional comercial, house e techno também com um pouco menos de ênfase.
HM – Chama atenção a grande diversidade musical, com direito a combinações artísticas inéditas e inusitadas, e até mesmo de apresentações em formatos mais amplos, com diversas live performances, bandas e instrumentistas em meio aos DJs. Como vocês trabalharam essa ideia até chegar neste formato?
É, como eu te falei um pouco antes, isso já é um pouco da cultura da Rock World, de co-criar os momentos, co-criar experiências. Então quando a gente vem e tem essa necessidade mercadológica ali, e como todo mundo quer dar um passo à frente, vamos criar juntos.
A gente fez várias rodadas, não foi um booking, a gente não queria contratar o artista pelo artista. A gente queria que o artista se provocasse a pegar esse super momento. E quando a gente fala de Rock in Rio, de The Town, é um momento de visibilidade única na carreira de um artista. É para o grande momento, então vamos fazer dessa forma. E quisemos dar essa estética mais instrumental, mais musicista, mais vocal, um pouco de desestigmatizar a eletrônica como aquela coisa do escapismo, da rave.
HM – É nítida a predominância de grandes nomes do “underground”, bem como de coletivos alternativos da prolífica cena eletrônica paulistana, e menor incidência dos DJs mais conhecidos do mainstream. O que motivou essa escolha?
Diferenciação. Apresentar São Paulo e ser uma perspectiva de olhar diferente, pra dar uma chacoalhada mesmo. Acho que ser ousado, apresentar coisas novas, perspectivas e olhares novos. Ir numa outra linha, acho que ficaria mais do mesmo, foi uma coisa discutida internamente antes da gente ir pra um outro campo, de alguma forma surpreender o público. Para o Rio, continua funcionando aquela receita. São Paulo requer um pouco mais de sofisticação, de ousadia, de diferenciação, então acho que são esses os aspectos que nos levaram a ir por esse caminho.
HM – Naturalmente, fãs dos artistas mais populares receberam esse line up com alguma reticência. Como vocês têm trabalhado para quebrar essa desconfiança?
Falando de quem estava esperando um Alok, esperando uma atração assim,
que está acostumado num Tomorrowland, um Ultra da vida. A gente posta o do The Town e há haters falando que foi o pior line-up da história. ‘’O que vocês estão fazendo, onde é que vocês estão com a cabeça?’’
Vamos educar essa pessoa para vir para um ambiente de festival multicultural. Você quer ver o show do Bruno Mars, do The Weeknd, ele teve aqui no Morumbi com sete shows seguidos, R$ 800, R$ 700. Com esse dinheiro você compra o ingresso do The Town e vê centenas de shows. Você vê o teu show, mas o resto é mostrar coisa nova, é viver novas experiências. Eu acho que o mindset do fã, de alguma forma, vai ser impactado positivamente quando acontecer. Então deixa, porque a expectativa vai baixar, e aí volta, e ele vai mudar, vai dar uma revelação na cabeça, que é a nossa provocação e a nossa missão também social.
HM – O que os motivou a estabelecer intervalos de 15 a 40 minutos entre as atrações do palco eletrônico, em contraponto ao formato “non stop” do Rock in Rio?
Para deixar os seis momentos, os seis shows diários ainda mais especiais, a gente também propôs algo que não é tão habitual no universo da música eletrônica. Tem intervalo de 20, de 30, de 40 minutos, para que aqueles momentos sejam momentos únicos. E no intervalo tem o que a gente já está chamando de palco inteligente.
O Dance Order vem com essa história desde 2019 e 2022, de uma relação das tecnologias, da inteligência artificial com o humano, como é que a gente organiza esse momento para o futuro, e que tinham entidades, avatares do futuro que voltam ao presente para nos dar orientações, para trocar uma ideia. Então a gente continua com essa pegada, e até a gente entra numa história de multiverso. Tem lá uma realidade de Rock in Rio, com os mesmos personagens, com as mesmas nuances emocionais, mas com diferentes ambientes, tem o New Dance Order, essa foi a pegada. Então foram criados mais de 20 personagens, sem gêneros e multi gêneros, meio que jogando em todas as tribos, que vão falar ao público nos intervalos dos festivais, dando dicas, drops de serviços, quem vai entrar, onde vai sair, portas, um papo para o mundo melhor, que é alinhado ao propósito do festival.
HM – Sabemos que grandes festivais internacionais que estão rolando no Brasil esses meses, muitas vezes trabalham com contratos de exclusividade com os muitos artistas que compõem o seu lineup. De alguma forma, isso interferiu na curadoria do The Town?
Sim. E vou além, não são nem festivais internacionais, acho que a própria competitividade do mercado, isso em todos os gêneros, o rock, o pop. Enfim, todas as trilhas de artista. Não só o Tomorrowland, o Ultra, o Dekmantel, mas a Arca, o Laroc.
Mas, eu vou te falar que isso foi até a segunda página, isso estava tão óbvio e veio tão emergente a oportunidade de apresentar algo muito interessante, completamente diferenciado, com a cara de São Paulo, contar uma história nova, fazer uma disrupção. Tem espaço para isso. Então no terceiro dia eu falei ‘’opa, vamos para o outro lado, vamos descobrir coisas, vamos para outra estética, provocar, mostrar algo diferente e com a mais extremíssima qualidade.’’
HM – No RiR, o New Dance Order chegou com uma forte narrativa em torno do conceito do futurismo e da inteligência artificial. No The Town, o palco fará alusão ao multiverso. Como esses temas são planejados e estabelecidos?
Sim, tem super inteligência artificial, antes a gente falava de uma possível junção a partir da inteligência artificial, a partir da bomba atômica, a partir do aquecimento global, que são questões. Vou sair um pouquinho do espectro New Dance World, vou falar de The Town e Rock in Rio, de cultura Rock World. Tudo e qualquer atração, conteúdo que você estiver vendo, tem uma história por trás, se você tiver um olhar atento, tem um storytelling, tem uma narrativa, tem um propósito por trás. Então isso faz parte da cultura de todo o time,
na hora da concepção dos conteúdos, isso está muito entranhado nas nossas proposições. O Rock in Rio foi criado em 1985 para resolver um problema de comunicação, Roberto Medina, antes de um maior realizador de eventos desse mundo, é um publicitário, ele é um comunicador, então todo mundo de alguma forma, está ligado na história, na comunicação, na mensagem.
O The Town acontece no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, nos dias 2,3, 7, 9 e 10 de setembro. Os ingressos estão disponíveis para venda no site oficial.