Por Lau Ferreira com colaboração de Gabi Loschi
Foto de abertura: Cognição Eletrônica
Realizado no último sábado, 21, na Fabriketa, o Carlos Capslock Festival foi uma grande celebração da cena eletrônica underground brasileira. Não apenas pelo line up riquíssimo e bem equilibrado entre três pistas diferentes, pela estrutura, com iluminação e decoração de alto nível, e pela organização impecável, mas, por ter proporcionado, essencialmente, encontros e reencontros de diferentes gerações e microtribos de players e clubbers desse cenário.
Foto: Cognição Eletrônica
Fruto da insanamente criativa cabeça do DJ e produtor Paulo Tessuto, a marca Carlos Capslock comemorava seus 12 anos com o primeiro festival. Nasceu despretensiosa, naquele movimento de coletivos de festas independentes que revolucionou a noite de São Paulo, cresceu organicamente, graças à forte adesão de público — a “craudi”, como é chamada no dicionário particular do universo Capslock — e de artistas que se identificaram com a proposta, e cresceu a ponto de se tornar uma instituição no seu nicho.
A realização do festival foi um novo e importante passo nessa trajetória, que provavelmente poderia ter sido dado na celebração dos dez anos da label, não fosse a pandemia. Sim, é claro que a música é a grande cola que une toda essa gente, e sem atrações incríveis, o evento não teria o impacto e o status que teve.
Na pista de techno, Immersion, estavam os principais headliners internacionais, como Ellen Allien, Mama Snake, Anthony Rother e Sebastian Voigt, além de heróis brasileiros, como Andre Salata, Ananda, o próprio Tessuto, que fechou o palco, e a ascendente KENYA20Hz. Por volta das 02h30, em um momento muito representativo — sobretudo dentro do contexto de uma party label que sempre empunhou a bandeira da equidade entre gêneros nos lines —, Mama entregou a pista para Allien, ícone histórico do techno berlinense que chegou de cara com uma energia contagiante.
A Imagination, pista focada em house e disco, teve o desfalque inesperado do pioneiro Lil Louis, mas nem por isso foi menos divertida, graças a craques como Renato Cohen, Leo Janeiro e Ney Faustini. Normalmente associados ao techno, Eli Iwasa e L_cio surpreenderam com suas facetas mais coloridas. A cada vez mais conceituada Badsista mostrou sua capacidade em condensar estilos dos mais diversos em um set coeso, a exemplo daquele que talvez seja o maior e mais lendário disc-jóquei brasileiro: DJ Marky, craque absoluto dos toca-discos, que merece ser mais lembrado, reverenciado e difundindo para os mais jovens, em um dos grandes acertos da programação do festival.
DJ Marky – Foto: Cognição Eletrônica
Já a intimista e hermética Subversion foi palco para sonoridades mais freestyle (combinando synth-pop, EBM, pós-punk e rock, por exemplo) e lives diversas, como as do grupo Anvil FX, dos duos Curses (EUA) e Tigre Dente de Sabre. Isso sem falar na irreverente Carlos Caps Drag Race, concurso de performance drag que reflete a identidade lúdica e queer da Carlos Capslock.
Mas, não foi exclusivamente pelo seu line up que o festival teve uma aura diferente, profundamente significativa para boa parte dos seus frequentadores. Como bem caracterizou o jornalista Camilo Rocha, foi pelo sentido genuíno de comunidade que a Capslock conseguiu criar para tanta gente nessa última década — de um espírito de pertencimento quase difícil de descrever, intangível.
Foto: Cognição Eletrônica
Lines com alguns dos maiores artistas da música eletrônica mundial, felizmente, já se tornaram rotineiros em São Paulo e outras cidades do país. Mas, esse senso de acolhimento, de sentir-se em casa e ao mesmo tempo como se estivesse em uma reunião de antigas turmas da escola, em um evento dessa magnitude e com tantos nomes de peso, é verdadeiramente raro.
Acima de tudo, foi por isso que o primeiro Capslock Festival foi tão especial.