Review: Hernan Cattaneo revive a alma latina com all night long no Templo

Por Jonas Fachi

Foto de abertura: divulgação

Após quase dois anos de espera o Warung Beach Club finalmente anunciou sua reabertura e programação de verão. Como não poderia ser diferente, a tradicional data que sela a residência de Hernan Cattaneo na casa estava lá. Se existe algo que é garantido no Templo, isso é o long set com o lendário DJ argentino. Dentro da retomada da vida noturna, esse dia tão aguardado por brasileiros e argentinos continha um tom a mais, uma sensação coletiva de “vamos viver o hoje”, após tanto tempo de angustia em meio a pandemia. Esse tom se somava ainda há um interesse coletivo por liderança. As pessoas querem, no fim do dia, esquecer de tudo e se entregar a quem as coloque em outra dimensão, alguém que lhes passe a confiança de que estamos caminhando para algo melhor. A música eletrônica possui seu papel na sociedade e os DJs tem uma responsabilidade de entregar essa sensação de libertação.

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Na América do Sul, talvez nenhum outro lugar cumpra tão bem esse papel de ser o “espaço de disruptura mental” como faz o Warung. Todo Templo possui seus seres supremos e neste Hernan é inquestionavelmente o DJ internacional que mais se integrou a proposta original da casa balinesa. Sua compreensão da “alma latina – quente e emocional” é distinta, afinal ele faz parte de sua construção.

A reabertura também vem trazendo consigo uma renovação de público que já havia iniciado antes da pandemia e que agora se mostra com maior abrangência. Como fã de “el maestro” e o vendo na casa desde 2010, me surgiu uma leve curiosidade quanto a adesão desse novo público para assisti-lo. Cheguei às 20h30 junto de meu grande amigo Gustavo Caon Loeff para receber ao lado da Gabi (staff) a chegada de Cattaneo. Caon é simplesmente o responsável por minha conexão pessoal com Hernan e quem me incentivou e fez a ponte para minha primeira entrevista com ele em 2015. Após uma conversa descontraída, próximo das 21h, Hernan se direciona a cabine para preparar o início do set. Como tem acontecido nos últimos anos, ele se predispôs a abrir e fechar a noite – fazendo o trabalho de warm up com entusiasmo. 

Com sua pontualidade britânica, dá o play na pista ainda vazia, afinal, o clube abriu as portas apenas em cima do horário. Logo surgiram os primeiros dançantes a frente do palco e, claro, eram argentinos. Os hermanos historicamente o acompanham por todo o mundo, sempre com uma bandeira e demonstrando uma paixão efervescente.

O bpm estava em 117, músicas leves e mixagens sempre no final de cada uma delas – deixando os breaks com alguns vocais fazerem sua parte. Às 21h30 já havia metade da pista aproveitando seu deep house melódico e um pouco introspectivo. Às 22h, a pista estava praticamente completa. Em quase 20 anos de história, provavelmente essa foi a primeira vez que a casa encheu tão cedo e tão rápido. Particularmente eu estava surpreso e feliz. Não demorou muito para um grupo de hermanos levantar uma camisa enorme com uma estampa do rosto de Maradona. Essa uma hora para receber o público e coloca-lós em sintonia foi feita forma brilhante.

O primeiro destaque da noite veio na nova faixa de Facundo Mohrr, intitulada “Shake Party”. Ela faz jus ao nome, quando um vocal colante e um ritmo impossível de não dançar fizeram a pista levantar as mãos e se por em estado de insanidade – eram apenas 23h e o bpm em torno de 120.


Essa pegada ele geralmente inicia somente após a meia noite, entretanto, a pista estava lotada, o público a dois anos sem um set seu e o sentimento de hedonismo parecia tomar conta de todos. Se havia uma noite capaz de fazer renascer o sentimento de “esse é o verdadeiro espírito do Templo”, seria essa. Desci da cabine para a pista afim de sentir o poder do sound system e rever amigos de longa data. Percebi uma quantidade enorme de argentinos, além de muitos rostos novos colados na linha de frente. Havia um feeling em comum de que o público estava muito à vontade e afim de dentro daquelas próximas horas liberar uma energia acumulada e aproveitar como se não houvesse amanhã.

Comentei com amigos de que não era nem meia noite e Catta já havia atualizado sua base de fãs no Brasil com sucesso. Existe toda uma mística em volta da figura quase paterna de Hernan devido a histórica relação que ele possui com o clube e por se dispor a tocar por muitas horas. Quem está iniciando a vida de clubber ouve falar de suas noites lendárias e de que só é possível entender o templo em sua totalidade quando se experiência seu long set.

Hernan transita do house progressivo mais obscuro, denso e tradicional, que são suas características marcantes, para faixas mais limpas e modernas do melodic house e techno como ninguém. Às 23h30 a excelente “Fractal” da paulistana Carla Cimino e pós meia noite o remix de “Your Sweet Love” de Luciano Scheffer (Lee Hazlewod) representaram uma dessas faces de atuação. Depois “Reveries” de Mind Against, representando o outro lado.

São dois tipos de música que ele domina e abraça para se manter sempre atual sem perder identidade. Como transitar sem parecer inadequado? Se você houve as faixas separadas, parece que não fazem sentido no mesmo set, porém, aí que entra o talento, feeling, estilo e capacidade de mixagens longas que fazem as baterias se unirem criando uma terceira força sonora.

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Foto: divulgação

Ainda destaco nessa primeira fase de set a faixa “Clio” da catarinense Leila Scheiwe e Halaros com o lindo vocal da gaúcha Sarah Chilanti, alias, seus vocais já viraram carta marcada nos sets de Hernan. Foi emocionante ver o trabalho de duas fãs que se conheceram ali naquela pista sendo reconhecido. Essa colaboração carrega todo um simbolismo, afinal Leila é uma das pessoas que acompanham o DJ por mais tempo no Brasil e Sarah é uma artista nata que usa sua voz como forma de se conectar a música que Catta propõe. Isso demonstra ainda o nível de conexões e novos caminhos que um artista desse tamanho pode criar. Esse tipo de história talvez seja um dos maiores legados que alguém pode deixar na música.

Dmitry Molosh com remix para “The Purge” de Simos Tagias, além de “Free” de Marsh representam uma segunda fase do set. Elas trazem um novo patamar de ritmo, mais rápido e intenso a partir das 01h. Bpm 122.

Me deparo com ele me solicitando para conferir na pista se o ritmo estava bom e se o sistema de som estava de acordo. Desci novamente para conferir e simplesmente todos estavam on fire. Vale lembrar que a percepção do DJ na cabine por vezes pode destoar da pista. Para o artista pode parecer que esteja muito mental enquanto que o público está dançando com energia. Essa preocupação notável que Hernan tem em como as pessoas estão percebendo sua música é constante.

Tudo ok, então era hora de colocar um clássico, e como de costume, o vocal inigualável de Depeche Mode caiu como uma luva através de “World In My Eyes” – faixa dedicada ao seu amigo Marcelo Harada que estava presente.

“Glacier 3000” de Teho, além de “Graziano” de Junkie XL são duas faixas que representam bem as transições de sons mais emotivos para outros mais dançantes que ele seguia durante as horas da noite mais escura. “Callisto” de Stephan Bodzin e Marc Romboy com remix de Ben Böhmer foi outra daquelas faixas escolhidas a dedo para fazer todos vibrarem. Sem dúvidas uma das melhores da noite. Outro destaque que não da pra deixar de mencionar é “Far Above The World”, um dos últimos lançamentos de sua gravadora Sudbeat através de Ezequiel Arias, produtor que vem obtendo uma ascensão meteórica em solo argentino.

“Easy” de Diana Miro & 8kays com remix de Fur Coat marca a entrada no horário que sempre mais impressiona no sets de Hernan – às 04h. Nessa fase o bpm vai a 124 e ele parece estar flutuando na cabine, dançando como se estivesse na pista com todos e fazendo aquelas mixagens de cair o queixo de tão precisas e consistentes. Por mais que você tente, não será capaz de acompanhar as passagens de uma música para outra. Literalmente esse é o estado mais fino em tudo que envolve sua música. “The Best Party” com remix de Patrice Baumel para Gardenstate & Bien trouxe outro vocal daqueles que fazem todos voltar para o chão.

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Foto: divulgação

Em todo meu processo de pesquisa para o review e descoberta de faixas que ele tocou na noite, sempre me deparo com a árdua tarefa de escolher quais mencionar. São tantas músicas incríveis e certamente muitas coisas boas ficam de fora, por isso no final desta matéria você irá encontrar todas as faixas que encontrei e que podem dizer um pouco mais sobre o set.

“Summered” com remix de Eric Lune para Jiminy Hop marca a entrada na fase final do set, faixa escolhida no momento que a luz branca do amanhecer começa a tomar conta do final do pistão. Eram 05h15.

Em determinado momento, ele olha para o lado e me faz um sinal com a mão, algo como “olha que incrível esses elementos”. São esses detalhes que faz você entender como alguém se dedica tanto pela música. Sua paixão em selecionar a próxima faixa e mixar da melhor forma continua na mesma intensidade desde os primeiros discos ainda adolescente no bairro de Caballito, em Buenos Aires.

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Foto: divulgação

O que dizer de “The Day I Met You” próximo das 06h? Faixa de &ME, Rampa, Adam Port feat Solomun. Algo tão emotivo e sensorial, que parece que nunca havia sentido lá. Quando se analisa em retrospectiva, sempre vamos encontrar em outros anos tracks semelhantes que também foram super marcantes. O fato é que Hernan escreve a mesma história, todos os anos, com novas frases (faixas). O que isso significa? Personalidade musical, saber quem você é e o que gosta para cada momento da noite, além de ter a capacidade de encontrar novas musicas que farão o mesmo papel em cada momento.

Em 2012, Hernan falou em uma entrevista para a revista Warung que “os grandes DJs até podem mudar o tipo de música que tocam, mas o estilo? Jamais! É legal por que mesmo que você passe anos sem assisti-lo, sabe o que esperar do seu set”.

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Foto: divulgação

Os 30 minutos finais foram marcados por faixas como “My City’s On Fire” de Jimi Jules com um vocal e uma linha de baixo muito marcantes e distintos de tudo que ele já havia tocado pela manhã. “Home Again” de GHEIST vem na sequência. A pista estava quase toda clara e aquela sensação de que poderíamos ir por mais 1 ou 2 horas bate a porta.

HVOB com a faixa “Bruise” e remix de Antrim puxou de volta um clima mais emotivo, foi a deixa perfeita para introduzir uma das melhores músicas dos últimos tempos – “I don’t wanna leave” de RÜFÜS DU SOL com Innellea remix. Uma dose final de êxtase coletivo, com um break longo o suficiente para todos aplaudirem e cantarem seu nome, um ritual já tradicional como forma de agradecer pela sensação de liberação total de endorfina.

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Foto: divulgação

Seria normal para qualquer DJ durante um long set que em algum momento ocorra uma perda de conexão com a pista, alguma sequência de faixas não tão bem pensadas, etc. Porém, quando se trata de Cattaneo, isso raramente acontece e nesse set simplesmente foram quase 10 horas com as pessoas interessadas full time, tendo suas almas e corações controlados de forma exponencial. Eu acredito que o fato dele sempre pensar na consistência rítmica como o norte a perseguir faz com que consiga ter um nível de intensidade alto e pouco volátil. Hernan faz parte de uma geração única de DJs multidimensionais, que foram forjados em um período inicial da cena clubber até seu auge. Nesse tempo, exigia-se dos DJs uma versatilidade enorme a cada semana de residência.

Hernan é como vinho, quanto mais o tempo passa, melhor fica

Eu olhava para este ser, 40 anos de carreira, uma vida dedicada a compartilhar música, que é o que um DJ faz no fim, e pensava “ele esta melhor do que nunca”. Tive o privilégio de receber uma espécie de aula intensiva em Harvard, ao prestar atenção em como mixa, quais os tempos de encaixe das musicas e tudo mais que envolve sua magia enquanto comanda a pista de dança.

Cada noite tem sua história, musicas marcantes e momentos emblemáticos. Recebi algumas mensagens de novos fãs perguntando “qual foi o melhor set dele ate hoje?”. Eu respondo que continuo achando que o melhor set sempre será o da última apresentação! Faz um tempo que parei de me apegar a comparações e simplesmente curtir cada minuto de apresentação de uma verdadeira lenda. Como diz Hernan em seu livro El Sueño Del DJ, lançado em 2021, “há que viver e deixar viver”, e isso você só aprende com o tempo, que algumas compreensões só acontecem depois de determinado acumulo de experiências.

Neste link você encontra mais vídeos da noite na playlist!

Tracklist:

23h30 – Carla Cimino Fractal

23h49 – Leila Scheiwe, Halaros Feat. Sarah Chilanti – Clio

00h27 – NAHS, Nishan Lee FT Sarah Chilanti – Secrets

00h49 – Lee Hazlewod – Your Sweet Love (Luciano Scheffer Bootleg mix)

00h50 – Mind Against – Reveries

01h15 – Simos Tagias – The Purge (Dmitry Molosh Remix)

01h24 – Marsh – Free

01h39 – Depeche Mode – World In My Eyes

02h00 – Teho – Glacier 3000 (Original Mix)

02h21 – Junkie XL Graziano

02h30 – Stephan Bodzin & Marc Romboy – Callisto (Ben Böhmer Remix)

02h39 – Ezequiel Arias – Far Above The World

KAS:ST – Who`s To Say What`s Real (Mind Against & Colyn Remix)

03h02 – Bump – I`m Rushing (Anton Borin & Montw Edit)

03h20 – Golan Zocher – Summer Sun Ft. Velveta (Emi Galvan Remix)

03h40 – Kasey Taylor & Chris Meehan – Simplicity (Gai Barone Remix)

04h00 – Gilad Benamram – Impossible Love (Guy Mantzur & Tamir Regev Remix)

04h20 – 8Kays, Diana Miro – Easy (Fur Coat Remix)

04h50 – Gardenstate & Bien – The Best Part (Patrice Bäumel Remix)

05h15 – Jiminy Hop – Summered (Eric Lune Remix)

05h25 – INVŌKER – Lovestung feat. Luke Anger” (Musumeci Remix)

05h30 – RÜFÜS DU SOL – Next to me (Ezequiel árias edit)

05h40 – Antrim, Artfaq & Ezequiel Arias feat. Sarah Chilanti – Day By Night

06h00 – &ME & Rampa & Adam Port feat Solomun – The Day I Met You

06h05 – Horizon – Alan Live

06h10 – Kutiman – Inner Galactic – Kutiman Mixes Fiverr (Eli Nissan Remix)

06h15 – Jimi Jules – My City`s On Fire

06h20 – Home Again GHEIST

06h25 – HVOB – Bruise (Antrim remix)

End – RÜFÜS DU SOL – I don’t wanna leave (Innellea remix)

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