Por Jonas Fachi
Fotos: João Neto e José Henrique
Depois de longos meses, voltei ao Surreal para conferir artistas que estou de olho a um bom tempo. O line up do último dia 28 de outubro estava bem interessante, com a tour do lendário clube berlinense Watergate e a estreia em solo brasileiro de um dos nomes mais comentados do último verão Europeu. Estou falando de Miss Monique, que mal havia saído no streaming da Cercle e que todo mundo estava se perguntado ‘’de onde ela surgiu’’? Vamos analisar isso mais à frente.
O nome que mais me despertava vontade de ouvir era Matthias Meyer, sem dúvida, um dos produtores mais consistentes dos últimos anos. Tem alguns produtores que quando você recebe a ‘promo’, antes mesmo de ouvir, já sabe que será coisa boa, eles raramente erram, sempre é algo bom de tocar e Meyer é um desses. Como seria sua versão DJ? Chegaremos lá. Outro nome era Frank Wah, produtor de faixas impressionantes em breakbeat e que até foi convidado recentemente por ninguém menos que Sasha, para lançar em parceria.
Cheguei no clube por volta da meia noite e o fato de ser tudo muito grande, dá a sensação de ser um daqueles lugares perdidos no interior da Inglaterra nos anos 90, onde raves e clubes de locais conhecidos só no dia do evento fizeram a cena inglesa se transformar no polo da dance music global. Há uma mística meio undergound no Surreal, onde você vê as luzes da cidade distante, longe e onde ‘’ninguém vai te incomodar’’, algo que é realmente é um dos pontos fortes do clube.
Fui direto a Igrejinha, um local aparentemente único no mundo. Gramado, uma Igreja estilo americana rural em madeira, luzes por todos os lados e o DJ tocando ao ar livre. A foto explica melhor. A luz que você observa ainda na estrada chegando ao clube, se torna meio que natural querer segui-la e ver ‘’onde é o final disso’’, e ela dá na Cruz do telhado.
Em seguida fui a pista Bells ver a hora final do Danee. Um dos principais DJs do estado, criado na região e com muita experiência. Danee tinha um ótimo público o assistindo, ainda que o som estivesse ainda em ‘’modo warm up’’, o DJ tocava seu estilo particular de house e techno, sempre com muita classe e construção indo a algum lugar. Confira set na integra!
Na última meia hora ele se permitiu acelerar o ritmo sutilmente e fez todos dançarem com mais fluidez. Uma entrega de ouro para o inglês Frank Wah. Frank obteve o plus de receber o SS em seu volume total e, essa pista, já apelidada de “caixa preta” pelos frequentadores, possui uma sonorização invejável, grave que empurra para trás e linhas médias sem “zuar” os tímpanos. Frank manteve o ritmo e foi mixando com muita tranquilidade, tipicamente ao velho estilo inglês que agora ele está herdando.
Um dos destaques vai para o remix de “Another Brick In the Wall”, de Pink Floyd. Enquanto o via trabalhando, ficou claro que ainda é um produtor que está aprendendo a ser DJ. Acredito que ele poderia mixar puxando mais atrás do compasso, porém, sei também que esses detalhes demandam mais tempo de DJling.
O importante é que Frank estava consciente do seu papel na noite, sendo o DJ de transição, tendo mais liberdade, mas, também sem acelerar demais, afinal, ainda chegariam mais dois headlines. Eu prefiro que o DJ pareça “não estar entregando tudo”, mas, que isso se justifique pelo horário ainda cedo, daqueles que querer acelerar a pista muito antes do recomendado.
Às 02h fui assistir Matthias Meyer e, ao chegar na pista Raw Room, a conexão com sua música foi instantânea. DJ centrado, tocando sons com melodia, poucos breaks, muito tribal e ritmo non-stop.
Com certeza estava diante de não apenas um grande produtor, mas, também, um excelente DJ. Foi um pouco triste ver a pista com poucas pessoas, o que contribui para isso é o SS não ser tão imponente nesta pista. Quem estava ali, sabia quem estava tocando e queria vê-lo, todos estavam maravilhados com a entrega do alemão. Um dos destaques de seu set foi a faixa “Drop Me A Line”, de Midnight Magic, com remix de Mano Le Tough.
Às 04h voltei para Bells para ver o que estava rolando sob o comando de Miss Monique. A ucraniana tem sido uma das bandeiras do “stop war’” em seu país e teve um crescimento exponencial neste último ano. Ela segue uma fórmula de sucesso da indústria do techno que tem dado muito certo nos últimos anos, com DJs mulheres, novas e apresentando sets de duas horas explosivos.
Grandes empresários têm explorado esse nicho, colocando-as em palcos importantes de grandes festivais, elas acabam viralizando e escalam globalmente com milhares de jovens fãs adeptos da cultura raver. Foi assim com Nina Kraviz, Amelie Lens, Charlotte de Witte e, agora, Miss.
Ela segue o mesmo padrão, DJ com muita energia e sets curtos, porém, potentes. Miss se difere um pouco por tocar mais voltada ao progressive house, mesclando com techno em algum momento do set. No vídeo abaixo, a faixa “Biosphere”, de sua autoria, uma das melhores do seu set!
É um modelo de artista que não me atrai, porém, considero ser muito importante para a cena eletrônica para captar novas pessoas, crescer e com o tempo, essas pessoas irão conhecer outros tipos de DJs e formas de se construir set.
Essas DJs fazem um papel fundamental abrindo portas e ajudam demais na renovação da cena global. Miss, em particular, me surpreendeu por sua técnica bem apurada e enorme carisma. Claramente tinha a pista em suas mãos, regendo-a e levando todos com as mãos para cima.
Após a DJ ucraniana, era a vez de D-Nox. A lenda alemã é quase um brasileiro à essa altura. D-Nox vem da velha escolha de DJing, na qual a construção de set com energia crescente é o caminho. Ele assumiu com sua enorme personalidade e carisma e, em poucas músicas, já tinha mudado o espírito da pista para algo mais continuo. Era hora de dançar sem parar, menos mãos para cima e picos de energia mais dosados. Ele é um grande DJ, e sua escolha para o fechamento foi importante para manter a pista cheia até o final.
O Surreal Park te entrega uma “imersão espacial” interessante. Os detalhes das decorações não convencionais te fazem esquecer de tudo um pouco do lado de fora. Acredito que esse era o objetivo de Ratier e o público me parece que validou o combinado da estrutura, localização e atrações musicais até o presente momento. Claro que a construção de uma marca consolidada e público levam anos, porém, com alguns ajustes, o clube tem tudo para explodir após seu segundo ano.
Confira playlist com vídeos da noite aqui.