Saúde mental: uma vigília de 365 dias. Conversamos com a psicóloga Larissa Gomes Figueiredo

Por Lu Serrano

Foto de abertura: divulgação

Durante a pandemia muitos problemas relacionados à saúde mental saltaram aos nossos olhos, amigos e colegas bem ao nosso lado e, muitas vezes, nós mesmos enfrentamos situações com as quais algumas vezes não sabíamos como lidar.

De um lado, a interrupção brusca das atividades, do outro uma intensa necessidade de ser criativo e produtivo o tempo todo. Agora, com as rotinas sendo retomadas, o alerta se mantém aceso e a atenção com a nossa saúde mental requer cuidados redobrados.

Não se trata apenas do Setembro Amarelo, no qual se realiza um intenso movimento de prevenção ao suícidio e de todas as causas que podem levar a ele, mas da vigília constante do seu estado mental e do olhar para o outro.

Batemos um papo com Larissa Gomes Figueiredo, membro do Departamento de Psicologia da Sociedade Mineira de Terapia Intensiva (SOMITI) e associada a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Atualmente, Larissa atua como psicológa do Serviço de Psicologia Hospitalar do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte – MG.

HM – É possível mencionar quais os principais transtornos mentais diagnosticados nos últimos anos?

Os transtornos mentais de maior prevalência nos últimos anos, segundo a OMS são depressão, ansiedade, transtorno afetivo bipolar, transtornos alimentares, esquizofrenia e outras psicoses, demência e distúrbios do desenvolvimento. Frente o cenário da pandemia, estes transtornos mentais se acentuaram, trazendo impactos psicoemocionais ainda maiores, para todos, seja em trabalho remoto, ou aos que mantiveram presencial, ou ainda, aos que perderem o trabalho, ou mesmo aos que tiveram a carga de trabalho ainda maior.

HM – De uma vida ativa para o ócio e vice e versa. Como isso impacta na saúde mental?

Mudanças no estilo de vida normalmente trazem repercussões clínicas e comportamentais, podendo afetar a saúde mental. A restrição social casou uma redução importante nos níveis de atividade física e aumento de tempo em comportamento sedentário, além de alteração dos hábitos alimentares e aumento no consumo de álcool e tabaco, aumentando o comportamento de risco à saúde, como alterações no peso corporal e aumento na ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis. Evidências apontam que a modificação positiva dos fatores do estilo de vida é essencial tanto para a melhoria quanto para a manutenção da saúde física e mental.

HM – Existem profissões que são mais suscetíveis a transtornos mentais?

Os transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho resultam não de fatores isolados, mas de contextos de trabalho em interação com o corpo e aparato psíquico dos trabalhadores. Em alguns casos, são de natureza química, em outros, intrinsecamente relacionados às formas de organização e gestão do trabalho ou mesmo da ausência de trabalho e em muitos casos decorrem de uma ação sinérgica desses fatores.

O atual quadro econômico mundial, em que as condições de insegurança no emprego, subemprego e a segmentação do mercado de trabalho são crescentes, reflete-se em processos internos de reestruturação da produção, enxugamento de quadro de funcionários, incorporação tecnológica, repercutindo sobre a saúde mental dos trabalhadores.

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Foto: divulgação

Os fatores relacionados ao tempo e ao ritmo de trabalho também são muito importantes na determinação do sofrimento psíquico relacionado ao trabalho. Jornadas de trabalho longas, com poucas pausas destinadas ao descanso e/ou refeições de curta duração, em lugares desconfortáveis, turnos de trabalho noturnos, turnos alternados ou turnos iniciando muito cedo pela manhã; ritmos intensos ou monótonos; submissão do trabalhador ao ritmo das máquinas, sob as quais não tem controle; pressão de supervisores ou chefias por mais velocidade e produtividade causam, com frequência, quadros ansiosos, fadiga crônica e distúrbios do sono. Os níveis de atenção e concentração exigidos para a realização das tarefas, combinados com o nível de pressão exercido pela organização do trabalho, podem gerar tensão, fadiga e esgotamento profissional ou burn-out (traduzido para o português como síndrome do esgotamento profissional ou estafa).

Estudos tem apontado que bombeiros, policiais, professores, bancários e profissionais de saúde são os profissionais com maior prevalência de transtorno mental.

HM – Quais os 5 avisos que o corpo dá para que possamos procurar ajuda?

Os sinais variam de pessoa a pessoa, no entanto, os principais são as oscilações frequentes do humor, a irritabilidade, cansaço, chegando as alterações de comportamentos alimentares e higiene do sono, como o aumento ou perda de apetite, hipersonolência ou insônia e, o isolamento sócio-afetivo.

HM – Para quem está de fora, como é possível ajudar alguém com problemas? Um amigo, parente. Como estender a mão nesse momento?

O mais importante é acolher, mostrar-se disponível para ouvir, não julgar. Fundamental se informar para não disseminar estigmas. Disponibilize contatos de profissionais e lugares onde a ajuda pode ser obtida. Escute verdadeiramente e leve a sério o lamento, a expressão de dor de quem está ao seu redor.


HM – Qual a importância de um acompanhamento profissional?

Transtornos mentais são doenças como qualquer uma outra, logo devem ser manejadas por profissionais especializados. Apenas os profissionais capacitados, como médico psiquiatra e psicólogos, têm condições de avaliar a saúde mental das pessoas.

HM – Por que as pessoas ainda têm preconceito de procurar ajuda?

O estigma opera em círculos viciosos que abrangem o indivíduo que sofre de transtorno psiquiátrico, sua família e os serviços de saúde mental. O diagnóstico de transtorno psiquiátrico ou anormalidade visível, como o efeito colateral de fármacos, deflagra no observador a recuperação de conteúdos negativos como conhecimentos prévios, informação da imprensa e lembrança de filmes que levam à estigmatização. Os pacientes com doença mental são vistos como fracos de caráter, preguiçosos ou ameaçadores. O estigma conduz à discriminação negativa do indivíduo com transtorno mental e, consequentemente, a prejuízos e desvantagens como reveses frequentes, serviços de saúde ruins e dificuldade de acesso a cuidados. Pacientes estigmatizados internalizam essas visões estigmatizantes e discriminatórias das pessoas em geral, dando origem ao chamado autoestigma. Há comprometimento da autoestima, mais incapacitação e menos resistência ao estresse. Tudo isso acarreta piora clínica e reinício do círculo vicioso.

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Fonte: Ministério da Saúde

HM – Qual a mensagem que você deixa para quem está lendo essa matéria, já passou ou está passando por alguma dificuldade?

Informação é nosso maior contribuinte para a melhora da saúde de uma forma ampla. Procure canais confiáveis, converse, tire dúvidas com profissionais e busque ajuda ao menor sinal de sofrimento. Podemos mudar o cenário de adoecimento, de sofrimento mental e emocional, buscando apoio, meios de promoção de cuidados, e acompanhamento. Importante ressaltar que o cuidado com a saúde, seja física ou mental é durante todo o ano. Ninguém precisa passar por um adoecimento sozinho. O cuidado integral, de corpo e mente, do físico e emocional, promove melhorias da qualidade de vida, bem-estar, melhorando os diversos campos da vida de uma pessoa, seja no âmbito individual, socioafetivo e familiar, como nas relações e no trabalho.

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