Por Rodolfo Conceição
Foto de abertura: divulgação
A vida adora imitar a arte, mas, talvez, quando Neil Stephenson escreveu o livro de ficção científica Snow Crash, em 1992, ele não imaginasse que apenas 30 anos depois seu cenário futurista e distópico estaria virando realidade. Foi o escritor americano o criador do termo metaverso, um mundo virtual em três dimensões povoado por avatares, que nada mais são do que personificações de pessoas reais nesse universo alternativo.
De fato, a ideia de metaverso não é exatamente novidade e você já pode ter entrado em um desses mundos paralelos antes. Exemplos famosos são os games Habbo, de 2000, e Second Life, de 2003, onde jogadores criavam seus avatares para interagir com os outros usuários em um mundo virtual sem um objetivo definido.
Mas, o que mudou nesses últimos 20 anos para fazer do metaverso não só uma realidade possível como uma tese de investimento que movimenta bilhões de dólares e pode definir os rumos da indústria criativa? O que eu preciso saber para fazer parte desse ecossistema? E o que a música tem a ver com isso?
O que é esse tal de metaverso?
A melhor definição para metaverso é dada pelo investidor Matthew Ball, autor da série de ensaios sobre o tema intitulada Metaverse Primer:
“O Metaverso é uma rede expansiva de simulações e mundos 3D renderizados em tempo real e persistentes, que suportam a continuidade de identidade, objetos, histórico, pagamentos e direitos, e podem ser experimentados de forma síncrona por um número efetivamente ilimitado de usuários, cada um com um sentido individual de presença”.
Para o Facebook, que em 2021 mudou o nome da empresa (não da rede social) para Meta, o conceito é mais simples e entendível: o Metaverso é um conjunto de espaços virtuais onde você pode criar e explorar com outras pessoas que não estão no mesmo espaço físico que você.
E se engana quem pensa que a Meta está sendo pioneira nessa tese de investimento. Na verdade, dezenas de startups de todo o mundo já exploram o metaverso de diversas formas, principalmente, no mundo dos criptoativos e NFTs. Mas se pudéssemos reunir as principais teses que compõem esses mundos virtuais, seriam:
– Mundos 3D em tempo real e avatares personalizados.
– NFTs são elementos essenciais para definir a identidade virtual.
– Uma ampla variedade de interações sociais possíveis, geralmente indo na contramão dos objetivos competitivos de games tradicionais, favorecendo a cooperação.
– Suporte para que os usuários criem seus próprios itens virtuais e modifiquem o ambiente a sua volta.
– Conexão com um sistema econômico que permite aos usuários lucrarem com bens virtuais.
– Recursos que se sobrepõem aos serviços tradicionais da web.
– Explorações de realidade aumentada e realidade virtual, com o uso ou não de hardware específico como óculos VR.
E o que a música tem a ver com isso?
A música eletrônica é um movimento de vanguarda, movido por geeks, audiófilos e amantes da tecnologia que não encontram barreiras para a exploração. Por isso, não se surpreenda se o gênero for um dos primeiros a abraçar de vez o metaverso, talvez como uma tentativa de corrigir uma grande falha do modelo de negócio dessa indústria excessivamente dependente de eventos ao vivo.
Com o isolamento forçado desde 2020, assistimos a uma aceleração de algumas mudanças que já aconteciam. Os games agora são as novas redes sociais, além de formarem um mercado que hoje já vale mais que do cinema e música juntos. E foi justamente nos games que o metaverso foi buscar a inspiração para se tornar a tese que é atualmente.
O reflexo disso já é visto na própria música: o Tomorrowland criou seu próprio mundo digital para um festival virtual e Travis Scott se apresentou dentro do Fortnite para 14 milhões de jogadores, enquanto o game Roblox vai receber seu próprio festival de música eletrônica no fim do mês.
Uma mudança no paradigma da Internet
Outra mudança que impulsiona a tese do metaverso diz respeito a uma mudança de paradigma na internet com o advento do conceito de Web 3.0. No começo, a internet se resumia a páginas estáticas, que evoluíram para a Web 2.0 das redes sociais e grandes plataformas de mídia como YouTube, Instagram e Facebook, onde o usuário passou a participar ativamente como produtor de conteúdo.
A mudança de paradigma para a Web 3.0 é que atualmente existe a ideia de dar mais poder aos usuários e os dados que ele compartilha, criando incentivos econômicos para que esse usuário continue produzindo seu conteúdo, invertendo a lógica com que as grandes empresas de mídia digital operam atualmente. Plataformas descentralizadas que rodam sobre tecnologia blockchain surgem a um ritmo animador na tentativa de mudar o cenário atual em que o usuário – ou pelo menos os seus dados – acaba sendo também o produto final (pois é, Meta, temos um problema).
Já existe, por exemplo, uma alternativa descentralizada ao Spotify, Deezer e outros streamings famosos chamada Audius, que roda na rede blockchain da Solana e tem um acordo de distribuição com o TikTok, facilitando o processo para que artistas independentes publiquem suas músicas na rede social que virou febre com suas dancinhas.
Todas essas mudanças fornecem a infraestrutura para que esse metaverso se concretize, abrindo um grande potencial para novas fontes de rendas para a indústria musical, que vão desde a criação de clubs virtuais (como no GTA, por exemplo) até as inúmeras possibilidades dos NFTs, que já estão sendo amplamente exploradas por artistas como Deadmau5 e têm grande potencial de transformação da indústria criativa como um todo.
O real é insubstituível, mas o negócio evolui
É inegável que a experiência da apresentação ao vivo, no calor da pistinha, é insubstituível e continua sendo a força motriz da música eletrônica. É quase como uma experiência religiosa que precisa acontecer ali, em carne e osso.
Porém, a indústria precisa diversificar as fontes de renda. A pandemia provou que é muito perigoso colocar todos os ovos na mesma cesta. Quando clubes em todo o mundo foram forçados a fechar as portas, todo o setor agonizou por meses enquanto tentava se reinventar às pressas no on-line.
Os nossos hábitos de consumo mudam e a realidade à nossa volta vai se adaptando. Os eventos ao vivo sempre terão seu público e a demanda ainda está muito reprimida após quase dois anos de pandemia. No entanto, também é latente o desejo por formatos que explorem espaços digitais.
Não são só startups que estão investindo no metaverso. Gigantes da tecnologia estão de olho nesse mercado, com o Twitter adotando verificação de NFTs como imagem de perfil, a Meta iniciando seus testes com tokens não-fungíveis, o YouTube indo na mesma linha e a Microsoft fazendo o movimento mais ousado ao comprar o estúdio de games Activision Blizzard, em um claro movimento para desenvolver seu próprio metaverso. O próprio Bill Gates, inclusive, já fez uma previsão ousada sobre o assunto.
O convite é sedutor: um mundo sem fronteiras e limites físicos, onde você pode ser quem ou o que quiser, podendo inclusive participar de um sistema econômico próprio. E a música eletrônica naturalmente é a trilha sonora deste nosso futuro distópico como só a literatura e o cinema de ficção científica poderiam imaginar.