Por Decio Freitas e Dudu Palandre aka Anhanguera
Foto de abertura: divulgação
Se você é um consumidor relativamente frequente de música eletrônica, com certeza já se deparou com essa palavrinha por aí: “dub”. Normalmente vindo como um “dub mix” ou um “dub remix” de alguma música, ela ficou famosa no cenário a partir dos anos 1990, e desde então, dentro da house music, surgiu uma onda de remixes no estilo, que basicamente minimiza os vocais para dar mais ênfase à parte rítmica.
O que muitos não sabem é que o dub é descendente direto do reggae, tendo sido criado na Jamaica, no final dos anos 1960, dentro do contexto da famosa cultura dos soundsystems do país. É, portanto, um dos subgêneros mais antigos de música eletrônica, e dos mais influentes, tendo trazido uma série de inovações que não só viriam a ser usadas dentro da house e do techno, como também tiveram papel crucial para o surgimento de outras vertentes, como jungle, drum`n`bass, rap, trip-hop, grime e dubstep.
Tudo começou em Kingston, em 1968, a partir de um episódio marcante: um selector (nome que se dava ao operador do soundsystem; praticamente, um DJ de reggae) chamado Ruddy Redwood tocou uma faixa instrumental, que havia sido prensada daquele jeito por acidente, enquanto seu DJ (nessa subcultura, o que nós conhecemos como MC era chamado de DJ), Wassy, cantava por cima. O público curtiu tanto que essa performance foi esticada entre meia hora e uma hora.
Um homem chamado Byron Lee estava presente e contou o que aconteceu ao amigo King Tubby, que era engenheiro de áudio, incentivando-o a fazer músicas instrumentais. Tubby foi além: não apenas cortou os vocais de uma faixa chamada “Ain`t Too Proud To Beg”, de Slim Smith, como também trouxe inovações na sua mixagem em estúdio. Assim, surgiu o que passou a convencionar-se como “versions”, ou versões.
Essas tais versões passaram a ser parte intrínseca à cultura dos soundsystems jamaicanos, com basicamente todo novo single de reggae tendo uma no seu lado B. Com o passar dos anos, o estilo foi se refinando. Nos anos 1970, surgiram álbuns inteiros de dub, a partir de engenheiros como Errol Thompson e o lendário Lee “Scratch” Perry, que, infelizmente, nos deixou no último dia 29, aos 85 anos.
Feito em colaboração com King Tubby e lançado em 1973, o álbum “Upsetters 14 Dub Blackboard Jungle” é um dos primeiros marcos do estilo.
Perry foi o principal responsável por acrescentar os efeitos psicodélicos que passariam definir a sonoridade dub, a partir do acréscimo de uma enxurrada de efeitos como delay, eco e reverb por cima das tracks. Esses efeitos viriam a ser parte essencial da música eletrônica de pista, utilizados em larga escala até hoje não só nas produções, como também nos mixers para DJs.
Na década seguinte, nomes como Mad Professor e Jah Shaka destacavam-se com a arte no Reino Unido. Até que, no início dos 1990, o universo dub se choca com a efervescente cultura clubber, que havia nascido nos Estados Unidos e vinha ganhando proporções enormes na Europa. Na Alemanha, um duo formado em 1993, chamado Basic Channel (que também tinha uma gravadora com o mesmo nome), foi o primeiro a abraçar diretamente a influência do dub dentro do techno, criando um novo subgênero: o dub techno, que também passou a ser febre.
Já dentro do escopo da house music, altamente vocal, importou-se a tradição vinda do reggae: quase todos os singles lançados passaram a incluir remixes no estilo dub. Esses remixes usam os efeitos característicos do dub, embora em menor quantidade, e se notabilizaram por remover os vocais — na maioria das vezes, não integralmente, mantendo frases vocais mais curtas e picotadas, repetidas em loop.
Naquela década, remixes dub como o “Momo`s Dub” de “The Program” (faixa de David Morales & The Bad Yard Club, de 1993) e o famosíssimo “MK Revisited Dub Edit” de “Push The Feeling On” (do Nightcrawlers, de 1994) tornaram-se hits, conquistando mais sucesso do que suas versões originais. Já em 2001, o produtor Miguel Migs bombou com “Dubpusher”, uma música com vocais bem dub, lançada no “Underwater Sessions EP”.
Atualmente, embora com bem menos frequência que nas décadas passadas, os dub mixes continuam como parte importante da house — e a influência do estilo é eterna. No Anhanguera, nós usamos muito reverb em nossas músicas, bem como vários efeitos como echo e filtros na hora de discotecar que remetem à essência da linguagem dub.