O que torna um Live set diferente de um DJ set? Gui Boratto e L_cio te explicam!

Quando se trata de música eletrônica, há diversas formas para um artista se apresentar e de produzir uma música, principalmente levando em consideração a quantidade de instrumentos e softwares disponíveis neste universo musical.

A forma mais comum e que está presente em praticamente todos os eventos é a apresentação DJ set, no qual o artista utiliza de mixers, toca-discos e CDJs para tocar as músicas previamente gravadas e baixadas para construir a história de seu set. Aqui, uma das principais habilidades, se não a principal, será o tato para realizar mixagens harmônicas e uma seleção musical que faça sentido para a proposta daquele momento.

O live é um formato mais complexo, que exige mais preparo, conhecimento musical profundo e domínio absoluto dos instrumentos. Em um live set, vários equipamentos podem acompanhar o DJ na construção das músicas. Sintetizadores, baterias eletrônicas, sequenciadores, pads, softwares de produção, teclados e por aí vai. Com isso, o artista pode construir a música tocando ela passo a passo ou utilizar os instrumentos eletrônicos para auxiliá-lo e incrementar a música manipulando-a. Num live, é possível que você esteja diante de uma música ou até mesmo um set inteiro que será tocado apenas uma vez na carreira do DJ. Não é louco pensar isso?

Ambos estilos mantém vivo aquilo que é uma das principais características de um grande DJ: a sensibilidade para construir uma sequência musical coesa que transmita seus sentimentos e uma mensagem ao público.

Após uma breve descrição da diferença entre DJ set e live set, convidamos dois craques da música eletrônica brasileira para elucidar melhor. Acompanhe o que L_cio e Gui Boratto têm a dizer sobre o tema!

House Mag: Na sua visão, o que torna um live set especial, tanto para o artista quanto para o público?

L_cio: Todos os formatos de performance tem suas especificidades que as tornam especiais. Da mesma forma, o live act tem infinitas possibilidades de criação, recriação e improvisos durante a performance. São apresentadas composições autorais ao vivo, utilizando-se de equipamentos diferentes para apresentar essas músicas. Para as pessoas artistas é algo especial, pois tem desafios de apresentação, novas tecnologias conversando com antigas. Para o público, a possibilidade de ver em tempo real uma música sendo reproduzida de formas diferentes. 

Gui Boratto: O live set tem algo único: claro que tem muita coisa que preparo antes, para poder improvisar. Mas quase tudo está sendo criado ali, na hora. Principalmente algumas melodias e linhas de baixo. Além de toda parte de bateria, está separada, assim consigo alterar a estrutura da música, breaks, drops etc. Isso faz com que cada apresentação seja diferente. O público sente essa energia, e o artista também se envolve de outra forma, com mais conexão com o momento.

HM: Quais nuances e possibilidades criativas você enxerga no formato live que o diferenciam de um DJ set tradicional?

L_cio: Acho que hoje em dia, tanto os DJ sets como os Live Acts tem muitas tecnologias para tornar o set especial – os CDJ’s e mixers tem muitas funções que podem fazer de um DJ set algo extremamente autoral. Os live acts por si só criam uma diversidade imensa de possibilidades de execução de suas músicas ao vivo. Por exemplo: no meu live tenho 110 músicas abertas (uns 3 mil clips de áudio) que posso escolher quando cada um vai entrar e sair das músicas. Posso, além de apresentar a composição original, como posso “remixa-la” ao vivo, usando efeitos, clips diferentes, improvisos de drum machine e inserção de instrumentos musicais, como flauta, trombone, berimbau, percussão e voz.  

Gui Boratto: Como disse anteriormente, no live, eu tenho liberdade pra mudar a estrutura das músicas, testar novas ideias e até criar partes novas durante o show. É mais aberto. Já o DJ set tem um fluxo mais definido, onde ele trabalha com faixas prontas. Os dois têm valor, mas são experiências diferentes.

HM: Quais equipamentos ou instrumentos são centrais no seu setup ao vivo, e como você os integra no processo criativo durante a performance? Eles funcionam mais como extensão das suas ideias ou como motores para improvisação?

L_cio: Meu setup atual tem: laptop, ableton live (software), placa de som (SSL2), compressor externo analógico (RNC 1773), flauta + microfone (AKG C519 M), drum machine (AIRA TR8-S), L_CIO MIKRO Controller da Yaeltex. Esse setup é bem versátil, pois tenho muito material no meu projeto do Ableton, muito improviso com a drum machine (viradas, rides, woods, synths e percussão), flauta ao vivo e tenho tocado berimbau também. Todos esses componentes me deixam livre para improvisar, criar e reconstruir as músicas ao vivo.  

Gui Boratto: Essa é uma boa pergunta, já que eu vivo mudando o setup. Às vezes levo drum machines, sintetizadores e até controladores customizados que eu mesmo faço, mas basicamente, levo um laptop com a base do live, principalmente os arquivos grandes que estão em áudio. Isso, pois todos sabem que minhas músicas não são aquele techno de uma nota só. Elas têm partes bem definidas de harmonia e melodia. Até guitarra e baixo já usei em apresentações minhas.

HM: De que maneira você costuma estruturar seus live sets? Existe um roteiro definido ou você prefere deixar espaço para a espontaneidade e o diálogo com o momento?

L_cio: Meu live é bem extenso, com muitas músicas abertas (umas 110). Normalmente inicio o live com um solo de flauta ou berimbau e depois sigo o que a festa está pedindo – tenho um repertório muito diverso, com house, techno, tech house, deep house, techno melódico – o que me deixa muito livre para cada set. 

Gui Boratto: Tenho uma estrutura básica, com blocos preparados, mas deixo espaço para mudanças. Gosto de adaptar o set ao ambiente, à vibe do público. Às vezes o que funciona numa cidade não funciona em outra, então é bom estar aberto. Principalmente que tenho músicas mais “solares” quase radiofônicas até sons mais soturnos e introspectivos.

HM: Existe algum momento marcante ou transformação pessoal que você vivenciou ao longo dos anos tocando ao vivo, algo que tenha mudado sua relação com o palco ou com a criação musical?

L_cio: Tenho muitos momentos de transformação e evolução das minhas performances. Mas o que me deixou bem livre no palco tocando foram as experiências com diferentes projetos de live os quais fiz parte: 

  • Gaturamo (com Zopelar), que era um live com apenas hardwares (sequenciava 5 drum machines ao vivo) – nós fizemos o segundo Boiler Room no Brasil em 2015
  • Lacozta (com Daniel Cozta) era um live com computador e synths integrados – era uma performance bem legal, com muitas nuances de techno.
  • Teto Preto: banda residente da Mamba Negra era composta por Laura Diaz, Bica, Zopelar, L_cio e Louic. Tínhamos percussões e trombone (Bica), voz (Laura), synths (Zopelar) e drum machines (L_cio)

Esses projetos me deram maturidade e experiências muito ricas para me tornar o que sou hoje como artista. Hoje tenho outro live com Nayra Costa e Bica que apresentamos um repertório de house. 

Gui Boratto: Já vivi muitos momentos especiais, mas alguns shows em festivais, onde tudo fluiu bem, me fizeram entender melhor meu papel no palco. Aprendi a confiar mais no improviso e a curtir mais o processo, não só o resultado. Inclusive, muitas vezes, logo após minha apresentação, penso em improvisos tão legais que acabo usando em estúdio. É muito legal quando o ao vivo influencia o trabalho em estúdio. 

HM: Como você enxerga o crescimento e os desafios da cena de música eletrônica no Brasil, especialmente para artistas que optam pelo formato live? Há espaço para experimentação e originalidade dentro do circuito atual?

L_cio: Há espaço para qualquer formato, pois no final das contas a música é o que vai dizer se seu projeto estará presente nos line ups. Eu só faço live, não sei fazer DJ set e tenho conseguido crescer dentro da cena nesses 18 anos de carreira. Há muito espaço para experimentações e originalidade. Um exemplo é o Festival Não Existe (da Gop Tun) que me desafiaram a criar um live novo para o evento – construí um projeto com berimbau (tocado por mim), Nayra Costa nos vocais e Bica no trombone, percussões e cuíca – tivemos um feedback lindo da pista e já nos apresentamos no Festival da Capslock e no Boiler Room em São Paulo ano passado.

Gui Boratto: Vejo um cenário promissor, mas com desafios. O formato live exige mais estrutura e entendimento técnico, o que nem sempre está presente nos eventos. Por outro lado, há uma abertura maior para propostas diferentes e originais. Aos poucos, isso vem crescendo.

HM: Recentemente como está a procura por apresentações live sets por parte dos contratantes? Você percebeu alguma mudança antes e após a pandemia?

L_cio: A procura continua muito parecida com DJs – a maior diferença e a quantidade de lives comparadas da DJ sets – tem muito menos lives, o que torna esse formato especial. A pandemia foi muito ruim para todas as pessoas artistas – a volta foi uma avalanche de festas, sold outs e muita gente nova nas pistas. Hoje sinto que os festivais e festas muito grandes têm suprimido os novos projetos, mas esse momento é passageiro, como tudo na vida. 

Gui Boratto: Notei uma valorização maior do live depois da pandemia. Muita gente passou a buscar experiências mais autorais, com identidade. Ainda não é maioria, mas o interesse por lives aumentou em certos contextos e festivais.

HM: Quais são os live sets mais surpreendentes que você assistiu recentemente e que novidades podemos esperar das suas apresentações em breve?

L_cio: São muitos, mas vou citar alguns:

  • Nicolas Jaaar no Dekmantel em 2017 (também toquei nesse no festival na programação noturna) – a qualidade do aúdio do live dele foi algo extremamente perceptível. 
  • Stimming na minha festa AKT em 2018, apresentou algo especial e emocional –
  • Anthony Rother no Festival da Capslock em 2023 – live de electro híbrido. 
  • Giorgia Angiuli no Time Warp 2022 – muita criatividade na performance cheia de equipamentos e brinquedos. 
  • Richie Hawtin (Plastikman) no D-Edge no começo dos anos 2000 – não preciso explicar muito ahahhaha
  • Portable que tem um live maravilhoso e que me fez tocar flauta ao vivo – nos apresentamos na tour do Live at Robert Johnson na europa em 2013. 

Para meus próximos shows, tenho levado Berimbau além da flauta. Estou também bastante empolgado com esse live de house com Nayra e Bica. E logo teremos uma novidade com Blancah – PRE PA RA. 

Gui Boratto: Recentemente assinamos um artista novo chamado Gabriel Brasil. O live dele é puro improviso. Equipamento simples mas a sinergia dele com o público são únicas. Esse é um nome para ficar de olho.

Por Adriano Canestri

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